terça-feira, 28 de setembro de 2010

Portugal-Quarenta anos feitos de mudança









Nas últimas quatro décadas o nosso país assistiu a grandes mudanças quer a nível político, económico mas, essencialmente, a nível social. Estas mudanças resultaram de um descontentamento generalizado do estado de coisas que se desenrolavam desde o tempo do Estado Novo. Vivia-se num regime político ditatorial fechado a quase toda a influência externa. Contudo, as vozes de descontentamento surgiam, cada vez em tom mais elevado, o que culminou com a Revoluçao do 25 de Abril. Começámos a viver num regime democrático sob a protecção da Constituição Portuguesa de 1976. Mesmo antes da Revolução já se verificavam algumas alterações provocadas quer pela saída de grande número de pessoas (essencialmente homens) para outros países europeus, quer pelo facto da mulher ter entrado no mundo do trabalho quer, ainda, pela deslocação de massas das zonas rurais para as zonas urbanas em busca de melhores salários e, consequentemente, de melhores condições de vida.

Durante os últimos quarenta anos grandes foram as mudanças ocorridas a nível social. Passou-se a nascer menos e a morrer menos, o que se traduz numa actual população envelhecida em que o número de pessoas com mais de sessenta e cinco anos é superior ao número de jovens até aos quinze anos. Tal facto, deve-se aos cuidados de saúde que se estendem a todo o país e à melhoria das tecnologias aplicadas ao serviço de saúde, ao planeamento familiar, a uma melhor alimentação, a água com qualidade e à alteração nos hábitos de higiene.
Aposta-se na prevençao das doenças e na educação e promoção para uma vida mais saudável.
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Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, o seu papel na sociedade alterou-se. Passou a ocupar cargos outrora só desempenhado por homens. Estas modificações foram sendo projectadas na vida em família. Hoje, as tarefas domésticas são divididas por todos os elementos da família. Também a estrutura familiar sofreu modificações. Antes coabitavam três ou quatro gerações, hoje apenas duas gerações. O divórcio banalizou-se. Actualmente, as famílias podem ser monoparentais, uniões de facto, casais de homossexuais ou constituídas por pessoas que já tiveram outros casamentos e filhos de casamentos anteriores, juntam-se assim numa mesma família “os meus, os teus e os nossos filhos”. As relações que se estabelecem entre os vários constituintes da família são diversificadas mas, com o respeito que deve ser mantido entre os indivíduos, todos podem conviver em harmonia e criarem-se novos laços afectivos tão importantes ao crescer em equilibrio.
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A situação actual dos idosos torna-se um problema social. Ao longo das últimas décadas o idoso passou a ser encarado de forma bem diferente da que tinha nos anos sessenta: o idoso fazia parte integrante da família-era cuidado e mantido no seio familiar. Hoje, com o ritmo de vida agitado que todos levamos, tenta-se arranjar uma solução adequada à situação familiar onde, por vezes, a vontade do idoso não prevalece. As instituições de apoio a idosos crescem a uma velocidade alucinante, o que não significa que todas as necessidades do idoso sejam contempladas; principalmente as afectivas. Os familiares, muitas vezes, abandonam o seu idoso nessas instituições desculpabilizando-se com os seus afazeres. Mesmo institucionalizado, o idoso pode ser feliz. Basta que os laços familiares não se quebrem.
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No campo da educação, passou-se de uma população com grande percentagem de analfabetos para uma população com elevadas taxas de jovens universitários. A educação e formação é fundamental para o desenvolvimento económico, político e social de um povo.
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De país de emigrantes passámos, nas últimas décadas, a país de emigrantes e de imigrados. Continuamos a emigrar, actualmente menos e quase de forma temporária. Ao regressar todos trazem um pouco da cultura do povo que os acolheu. Isso enriquece-nos como povo. Recebemos pessoas de todas as partes do mundo. As relações interpessoais dão-nos uma visão de como se vive noutras partes do mundo. Por vezes a coexistência não é fácil, devido às diferentes formas de estar. Trocamos saberes e aprendemos a ser tolerantes: a beleza da vida reside na diversidade. O respeito pelos hábitos e culturas de outros povos traduz-se num viver harmonioso, assim o queiramos, assim o queiram.

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Quem nos Ama não Menos nos Limita

Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita
Que os deuses me concedam que, despido
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De afetos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.
(Ricardo Reis, in "Odes")

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Noite de Bailado em Castelo Branco






Ontem, pudemos assistir ao magnifico bailado "Savalliana" pela Companhia Nacional de Bailado no Cine-Teatro da nossa cidade.

Guarda-roupa lindissimo nuns corpos repletos de energia e, como pano de fundo, música ibérica dos séc.XVI e XVII.

Parabéns ao coreógrafo, Rui Lopes Graça, e aos bailarinos.

Obrigado ao Cine-Teatro pelos excelentes espectáculos com que nos tem surpreendido.
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A dança?
Não é movimento,
súbito gesto musical
É concentração, num momento,
da humana graça natural.
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No solo não,no éter pairamos,
nele amaríamos ficar.
A dança - não vento nos ramos:
seiva, força, perene estar.
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Um estar entre céu e chão,~
novo domínio conquistado,
onde busque nossa paixão
libertar-se por todo lado...
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Onde a alma possa descrever
suas mais divinas parábolas
sem fugir a forma do ser,
por sobre o mistério das fábulas.

(Viola de bolso(1950-1967)Carlos Drummond de Andrade)
"Eu louvo a Dança, pois ela liberta as pessoas das coisas,
unindo os dispersos em comunidade.
Eu louvo a Dança que requer muito empenho, que fortalece a saúde,
o espírito iluminado e transmite uma alma alada.
Dança requer o homem libertado, ondulado no equilíbrio das coisas.
Por isso eu louvo a Dança.
A Dança exige o homem todo ancorado em seu centro para que não se torne, pelos desejos desregrados,
possesso de pessoas e coisas, e arranca-o da demonia de viver trancado em si mesmo.
Ó homem, aprende a Dançar!
Caso contrário, os anjos não saberão o que fazer contigo."
(Santo Agostinho)

SEGREDO
Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.
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Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...
( Miguel Torga, in "Diário VIII")

Museu Cargaleiro em Castelo Branco




Na quarta-feira fui visitar o Museu Cargaleiro. Já há muito tempo que andava para fazer esta viagem ao mundo das artes mas, o tempo passa e há sempre tanto para fazer nesta vida agitada que todos levamos. Fui surpreendida pelo ar que se respira emprenhado pelo respeito que todos devemos à Arte.

O Museu Cargaleiro de Castelo Branco foi inaugurado a 25 de Abril de 2004. Pode ser visitado no Solar dos Cavaleiros, edifício antigo de meados do Século XVIII, situado na Rua dos Cavaleiros.




Podemos ver e apreciar um notável conjunto de obras, que integram o acervo da Fundação Manuel Cargaleiro: pintura, cerâmica, escultura, azulejaria, tapeçaria.




O Museu Cargaleiro é um espaço onde o público encontra a obra deste reconhecido artista plástico, mas também obras de alguns dos mais prestigiados autores nacionais e internacionais.




A força das cores é presença em quase todas as obras. Fiquei maravilhada com os tons empregues na pintura. As esculturas são fascinantes e as peças em cerâmica deslumbrantes.


À Tua Porta Há um Pinheiro Manso
À tua porta há um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar, Amor!
Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.
Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.
Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra...
E, à noite, a sua voz dolente e vaga
É o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!

(Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas")
Manuel Cargaleiro é um pintor e ceramista português.
Nasceu no concelho de
Vila Velha de Ródão (Chão das Servas, 16 de Março de 1927), viveu desde criança na margem Sul do Tejo, nos concelhos de Almada e Seixal.
No dia em que efectuei esta visita encontrava-se também, no Museu, uma turma da Escola Secundária de Amato Lusitano. Estas iniciativas, por parte dos professores, são sempre de louvar porque enriquecem o conhecimento e povoam de cores o imaginário, dos nossos jovens.
Recomendo a todos uma visita a este espaço onde se pode, ainda, visualizar um filme sobre a obra e vida do Artista.
Devo acrescentar que existe um parque de estacionamento para os visitantes que aí pretendam deixar os veículos, no entanto, toda a zona histórica da cidade convida a um passeio a pé.
Falaram-me os homens em humanidade,
Mas eu nunca vi homens nem vi humanidade.
Vi vários homens assombrosamente diferentes entre si.
Cada um separado do outro por um espaço sem homens.
(Alberto Caeiro, in "Fragmentos" Heterónimo de Fernando Pessoa)


O Presidente da República inaugurou o novo Museu

Cargaleiro


em

Castelo Branco no dia 9 de Junho de 2011
  • No âmbito das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o Presidente da República inaugurou, em Castelo Branco, o novo Museu Cargaleiro, erigido para acolher a exposição das obras do artista plástico albicastrense.


  • domingo, 19 de setembro de 2010

    Arte Pré-Histórica Ocidental







    Estabelecer o momento certo no qual a arte surge é uma tarefa complexa e de concretização bastante difícil. Para alguns , a arte nasce no mesmo momento histórico no qual o ser humano é capaz de construir uma casa ou realizar pinturas ou esculturas. Neste sentido, tal como afirma o professor Ernest Gombrich, "Não existe, realmente Arte. Apenas existem artistas", pois, estes eram "homens que apanhavam terra colorida e desenhavam toscamente as formas de um bisonte sobre as paredes de uma gruta", enquanto agora "compram as suas cores e traçam cartazes para a estação do metro".


    (História da Arte, Editorial Salvat)



    Será a arte o resultado de um rasgo de inspiração ou, pelo contrário, o produto de um trabalho árduo?


    Arte Pré-Histórica


    " A arte começa no momento em que o homem cria, não como uma intenção utilitária, como fazem os animais, mas sim para representar ou expressar", afirma René Huyghe. A arte é uma mensagem, um meio de expressão, uma forma de contacto e de comunicação entre os homens, talvez anterior, inclusivamente, à linguagem. Estes meios são pinturas ou gravuras rupestres, figuras mobiliárias, modeladas ou esculpidas, imagens ou decorações sobre os mais diversos suportes:peles ou cortiças, osso ou presas de marfim, pedras ou cerâmica(na época tardia). Muitos destes suportes não chegaram até hoje, pois foram destruídos pelo tempo ou ainda estão por descobrir."

    (História da Arte, Editorial Salvat)



    Na pré-história, a arte não era algo que pudesse ser separado das outras ocupações da vida quotidiana; Não se separava dos mitos, da economia, da política, e essas atividades também não eram separadas entre si.




    A arte deste período , no Paleolítico (Idade da Pedra Lascada), tem início há cerca de dois milhões de anos estendendo-se até c. 8000 a.C.

    São deste período instrumentos de pedra talhada, decoração de objectos, jóias para diferentes partes do corpo, pequena estatuária representando a figura feminina ou animais, relevos e pinturas parietais com temática de caça e figuras isoladas de animais ou caçadores.



    Da escultura paleolítica são famosas as estatuetas femininas de pequenas dimensões designadas genericamente por vénus. Identificadas como possíveis ídolos para o culto da fertilidade e sexualidade estas figuras apresentam características semelhantes entre si; são representadas nuas, de pé e revelam os elementos mais representativos do corpo feminino em linhas exacerbadas. O exagero destes elementos traduz-se num peito, ventre e ancas volumosos em oposição aos braços e pernas delicados e cabeça pequena. A face, tratada com linhas simples reduzidas ao essencial, onde não é possível reconhecer traços individuais, transforma-se, com o tempo, num elemento cada vez mais estilizado e simbólico, assim como todo o corpo da figura.





    No período do Paleolítico Superior são feitas as primeiras pinturas em cavernas e paredes externas de pedra, há aproximadamente 15.000 anos. A representação de vários animais (cavalos, mamutes, bois, veados) é comum, como se pode observar na caverna de Lascaux, França - sítio arqueológico descoberto em 1940.


    Aproveitando-se das irregularidades naturais das pedras, o homem do paleolítico asproxima-se das formas reais da natureza. Utiliza para os seus trabalhos diversos materiais como carvão, terra e sangue, além de pincéis e osso oco como instrumento de sopro. Outras importantes pinturas rupestres foram descobertas na caverna de Altamira, Espanha, por Marcelino Sanz de Sautuola. Em Altamira encontram-se pinturas nas paredes e no próprio tecto da caverna, consideradas até hoje uma das maiores descobertas da história da arte.


    Pintura rupestre - Altamira (Espanha)


    Em Portugal são conhecidas mais de trezentas localidades de Arte Rupestre, destacando-se os complexos do Vale do Rio Côa e do Vale do Tejo, dos mais antigos ao ar livre, a Gruta do Escoural, fundamental no estudo do Cro-Magnon e Neandertal, e gravuras rupestres como o Cavalo de Mazouco. A Anta Pintada de Antelas, em Oliveira de Frades, é um monumento nacional que apresenta as pinturas rupestres melhor conservadas de toda a Península Ibérica.


    Gravura rupestre - Vila Nova de Foz Coa - Portugal


    Sorri quando a dor te torturar

    E a saudade atormentar

    Os teus dias tristonhos vazios

    ~~~~~~

    Sorri quando tudo terminar

    Quando nada mais restar

    Do teu sonho encantador

    ~~~~~~

    Sorri quando o sol perder a luz

    E sentires uma cruz

    Nos teus ombros cansados doridos

    ~~~~~~

    Sorri vai mentindo a tua dor

    E ao notar que tu sorris

    Todo mundo irá supor

    Que és feliz

    (Charles Chaplin)

    sexta-feira, 17 de setembro de 2010

    Impressionismo

    Monet
    Van Gogh

    Monet
    Monet


    "O Impressionismo pertence à história, mas a sua aventura, semelhante à de todas as invenções plásticas, continua a ser actual. Definiram-no como um movimento artístico autónomo, preocupado em dar, do mundo exterior, uma representação que estivesse em harmonia com as verdades que, na mesma altura, eram propostas pela ciência. Na verdade, bem mais do do que um momento da história da arte, este programa, que reuniu uma plêiade de artistas, durante uma quinzena de anos, foi a primeira expressão da sensibilidade moderna. Menos uma técnica, ou um estilo, do que um estado de alma, o Impressionismo, que para os historiadores de arte terminou em 1890, continua a ser um acontecimento actual. " (O Impressionismo, Mathey,François).



    «A arte não cessa de se renovar, não na paz e com o consentimento de todos, mas na violência e mesmo no escândalo.» (Henri Focillon).



    "Um mundo estava à beira da falência. A tradição não era mais do que uma fachada. Habituados aos vernizes, às pátines, aos claros-escuros, os contemporãneos pensaram que os novos pintores estavam embriagados. Estavam-no com efeito, mas da luz reencontrada. Haviam regressado à origem. Reconhecendo que as regras académicas eram convenções, tinham-se libertado delas e haviam tentado construir um mundo interior, livre e dinâmico." (O Impressionismo, Mathey,François).



    O Impressionismo é um movimento artístico surgido na França no século XIX que criou uma nova visão conceptual da natureza utilizando pinceladas soltas dando ênfase à luz e ao movimento. Geralmente, as telas eram pintadas ao ar livre para que o pintor pudesse capturar melhor as nuances da luz e da natureza.



    A arte alegre e vibrante dos impressionistas enche os olhos de cor e de luz. A presença dos contrastes, da natureza, transparências luminosas, claridade das cores, sugestão de felicidade e de vida harmoniosa transparecem nas imagens criadas pelos impressionistas.



    Os impressionistas retratam nas suas telas os reflexos e efeitos que a luz do sol produz nas cores da natureza. A fonte das cores estava nos raios do sol. Uma mudança no ângulo, destes raios, implica a alteração de cores e de tons. É comum um mesmo motivo ser retratado diversas vezes no mesmo local, porém com as variações causadas pela mudanças nas horas do dia e nas estações ao longo do ano.




    O Impressionismo mostra a graciosidade das pinceladas, a intensidade das cores e a sensibilidade do artista, que em conjunto emocionam quem contempla as suas obras.




    Pintando directamente sobre a tela branca, utilizando sómente cores puras justapostas, geralmente sem as misturar, os impressionistas buscavam obter a vibração da luz, o aspecto efêmero da vida, o fugaz momento da luz e da sensibilidade, acto de amor entre o artista e o mundo, despido de toda e qualquer contingência exterior às suas motivações mais profundas.




    Os principais representantes do grupo foram Monet, Manet, Renoir, Camile Pissaro, Alfred Sisley, Vincent Van Gogh, Degas, Cézanne, Caillebotte, Mary Cassatt, Boudin (professor de Monet), Morisot, entre outros.


    Flores Velhas


    Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,

    Aonde tanta vez a lua nos beijou,

    E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,

    Soberba como um sol, serena como um vôo.

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    Em tudo cintilava o límpido poema

    Com ósculos rimado às luzes dos planetas:

    A abelha inda zumbia em torno da alfazema;

    E ondulava o matiz das leves borboletas.

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    Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,

    A imagem que inspirava os castos madrigais;

    E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem,

    Traziam-me à memória idílios imortais.

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    E nosso bom romance escrito num desterro,

    Com beijos sem ruído em noites sem luar,

    Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,

    Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.

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    Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas

    Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,

    E eu não te beijarei, às horas sonolentas,

    Os dedos de marfim, polidos e delgados...

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    Eu, por não ter sabido amar os movimentos

    Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,

    Eu sinto as decepções e os grandes desalentos

    E tenho um riso meu como o sorrir de Judas.

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    E tudo enfim passou, passou como uma pena

    Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,

    E aquela doce vida, aquela vida amena,

    Ah! Nunca mais virá, meu lírio, nunca mais!

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    Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!

    Quando ontem eu pisei, bem magro e bem curvado,

    A areia em que rangia a saia roçagante,

    Que foi na minha vida o céu aurirrosado,

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    Diziam-me que tu, no flórido passado,

    Detinhas sobre mim, ao pé daquelas rosas,

    Aquele teu olhar moroso e delicado,

    Que fala de langor e de emoções mimosas;

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    E, ó pálida Clarisse, ó alma ardente e pura,

    Que não me desgostou nem uma vez sequer,

    Eu não sabia haurir do cálix da ventura

    O néctar que nos vem dos mimos da mulher.

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    Falou-me tudo, tudo, em tons comovedores,

    Do nosso amor, que uniu as almas de dois entes;

    As falas quase irmãs do vento com as flores

    E a mole exalação das várzeas recendentes.

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    Inda pensei ouvir aquelas coisas mansas

    No ninho de afeições criado para ti,

    Por entre o riso claro, e as vozes das crianças,

    E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.

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    Lembre-me muito, muito, ó símbolo das santas,

    Do tempo em que eu soltava as notas inspiradas,

    E sob aquele céu e sobre aquelas plantas

    Bebemos o elixir das tardes perfumadas.

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    Eu tinha tão impresso o cunho da saudade,

    Que as ondas que formei das suas ilusões

    Fizeram-me enganar na minha soledade

    E as asas ir abrindo às minhas impressões.

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    Soltei com devoção lembranças inda escravas,

    No espaço construí fantásticos castelos,

    No tanque debrucei-me em que te debruçavas,

    E onde o luar parava os raios amarelos.~

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    Cuidei até sentir, mais doce que uma prece,

    Suster a minha fé, num véu consolador,

    O teu divino olhar que as pedras amolece,

    E há muito me prendeu nos cárceres do amor.

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    Os teus pequenos pés, aqueles pés suaves,

    Julguei-os esconder por entre as minhas mãos,

    E imaginei ouvir ao conversar das aves

    As célicas canções dos anjos teus irmãos.

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    E como na minha alma a luz era uma aurora,

    A aragem ao passar parece que me trouxe

    O som da tua voz, metálica, sonora,

    E o teu perfume forte, o teu perfume doce,

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    Agonizava o Sol gostosa e lentamente,

    Um sino que tangia, austero e com vagar,

    Vestia de tristeza esta paixão veemente,

    Esta doença enfim, que a morte há de curar.

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    E quando me envolveu a noite, noite fria,

    Eu trouxe do jardim duas saudades roxas,

    E vim a meditar em que me cerraria,

    Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.

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    Pois que, minha adorada, eu peço que não creias

    Que eu amo esta existência e não lhe queira um fim;

    Há tempos que não sinto o sangue pelas veias

    E a campa talvez seja afável para mim.

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    Portanto, eu, que não cedo às atrações do gozo,

    Sem custo hei-de deixar as mágoas deste mundo,

    E, ó pálida mulher, de longo olhar piedoso,

    Em breve te olharei calado e moribundo.~

    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

    Mas quero só fugir das coisas e dos seres,

    Só quero abandonar a vida triste e má

    Na véspera do dia em que também morreres,

    Morreres de pesar, por eu não viver já!

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    E não virás, chorosa, aos rústicos tapetes,

    Com lágrimas regar as plantações ruins;

    E esperarão por ti, naqueles alegretes,

    As dálias a chorar nos braços dos jasmins!

    ( Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde' )

    segunda-feira, 13 de setembro de 2010

    A força



    A força que nos move...ou nos tolhe...


    Há dias em que o sol brilha tão intensamente que tudo resplandece...outros em que basta um simples comportamento para que nos apeteça, apenas, esconder no buraco mais pequenino e aí permanecermos em posição fetal.


    Hoje é um desses dias em que o abraço materno saberia tão bem. As relações humanas são muito confusas. Passa-se por cima da amizade para satisfazer as componentes materiais da vida. Isso continua a deixar-me perplexa porque não consigo habituar-me a viver dessa forma tão...desumana.


    Onde páram os valores da solidariedade, da fraternidade?
    Têm-se os comportamentos mais perversos levianamente e de sorriso nos lábios...


    Ao acordar o sol envergonhado começava a aquecer a nossa cidade. O dia prometia ser lindo. As aulas iriam iniciar e as expectativas eram muitas...O reencontro com os colegas e com os professores. O Curso é de Serviço Social.


    Como se poderá ajudar quem precisa, geralmente histórias de desconhecidos, quando o negamos a quem está ao nosso lado há já algum tempo???


    quinta-feira, 9 de setembro de 2010

    Pais e filhos...







    Tenho dois filhos: um com 25 e um com 19 anos. Já são adultos. Conversar com eles continua a ser a minha maior felicidade. Geralmente isso acontece após as refeições e permanecemos à mesa. Por vezes gera-se a discussão mas, e mais importante, no final continuamos a sentirmo-nos unidos e mais fortes.

    Quase todos os dias me cruzo com crianças e adolescentes. As crianças são atraídas pelo meu cão, o Apolo, cão grande de olhar bondoso e de pêlo doirado... "posso fazer-lhe uma festinha?", "claro que podes, eu seguro-o para estares mais à vontade"... e a amizade entre as crianças e o apolo começa... e quando nos encontramos de novo é uma alegria vê-las a abraçar o Apolo e ele a dar à cauda todo Feliz!

    Aos adolescentes e jovens adultos encontro-os nas esplanadas dos cafés, nas escolas...fazem parte da história de vida dos meus filhos e, também, um pouco meus... Continuo a conviver com eles de forma natural após estes anos de crescimento deles e ... meu.

    Quando me cumprimentam, quando me dizem para me sentar na mesa deles, quando me fazem participar nas suas conversas sinto-me feliz.


    Mas o que me trouxe hoje até esta folha em branco foi um outro assunto...o assunto de pais e filhos...

    Penso que os filhos não esperam que os pais sejam os seus amigos... Eles querem que os pais sejam, sobretudo, pais. Que lhes dêem segurança e estímulo, que lhes incutam regras, que os elogiem quando fazem algo de que se orgulham e que os animem quando as coisas não estão a correr bem... que os pais sejam o seu porto de abrigo ao longo da vida. Que lhes dêem liberdade e aconselhamento para escolherem o seu caminho...

    Amigos vamos fazendo ao longo da vida, desde que iniciamos o processo de socialização no jardim de infância, pré-escola, escola ... Desde que o desenvolvimento decorra de forma equilibrada, sem grandes perturbações, tudo seguirá o seu rumo natural.


    Amigos são como estrelas, iluminam o nosso caminho. Ser-se Pai ou Mãe é estar-se sempre ...

    Só é possível ensinar uma criança a amar, amando-a.
    Goethe

    sábado, 4 de setembro de 2010

    Quando chega a noite...

    Pôr-do-sol em Castelo Branco





    É quando a noite chega que nos damos conta de todos os acontecimentos, situações e ocupações que nos mantiveram activos e prenderam a nossa atenção durante o dia inteiro. A calma da noite proporciona-nos momentos de repouso e de lazer mas, também, de reflexão.





    Nos últinos dias o assunto mais comentado é o julgamento "Casa Pia"...o antes, o durante e o após deste caso tem sido tema de informação e de debate de todos os meios de comunicação social. Calculo que tenha sido, e continue a ser, assunto de conversas familiares, entre amigos ou entre conhecidos.





    Durante oito anos assistimos ao desenrolar de todo o tipo de informação sobre estes casos chocantes de abuso de menores por parte de pessoas "maiores"...





    ...menores que se encontravam sob a tutela da Casa Pia...



    Todos os arguidos foram condenados com penas de prisão superiores a cinco anos, à excepção da (não vou dizer senhora nem Dona) Gertrudes. Estas penas não foram cumpridas de imediato porque aos considerados culpados cabe o direito ao Recurso...






    Todos os agora considerados culpados, à excepção de Carlos Silvino, continuam-se a declarar inocentes...





    Volto atrás no tempo e recordo a minha perplexidade perante as notícias destas barbáries cometidas...perplexidade e revolta!





    Hoje continuo a ter os mesmos sentimentos perante tais acontecimentos...





    Neste momento podem estar a acontecer situações semelhantes em qualquer parte do mundo...ou aqui ao lado...





    É um dever de todos nós protegermos as crianças de qualquer tipo de abusos, sejam físicos, psicológicos ou sociais... Não pensemos apenas nas NOSSAS crianças, pensemos em TODAS...








    Elas São O Nosso futuro!!!