domingo, 12 de março de 2023

Carta,,,

 A carta mais linda do mundo, escrita por José Saramago para a sua avó e publicada   no jornal A Capital, em 1968 com o titulo:


Carta a Josefa, minha avó :


"Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo — e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água.


Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira — sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.


Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com  isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja.(Contaste-mo tu, ou terei sonhado que o contavas?)


Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém. Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos — e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti — e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava. Não teremos, realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas — e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, por que te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: «O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!»


É isto que eu não entendo — mas a culpa não é tua.



sábado, 11 de março de 2023

Menos um dia,,,

 Menos um dia 

Mais uma noite

Nunca te afastes

Ó alegria!


Porque a vida

É um poema

Um poema 

A cada dia!


Mas se a tristeza

Bater aqui

Que deixe sempre

Um rasto de esperança 

E de nostalgia.

(Celeste Rebordão)




Perdas,,,

 Vão partindo

Os que nos trazem 

Conforto.

Vão indo

Os que nos trazem

Ecos.

Vão-nos deixando

Os que nos fazem

Companhia.

Vão-nos abandonando

Os que falam

O que sentimos.

Almas tão 

Parecidas 

Mas tão maiores.

Na palavra,

Na música,

Na poesia,

Nas artes plásticas,

No teatro.

Na Arte,

Em toda a sua expressão. 


Tristeza e um vazio tão cheio de saudade.

(Celeste Rebordão)




Lua Que Brilha

 Lá vai ela

Ligeira

A lua que brilha 

A lua altaneira.


Vestida de madrepérola 

Vestida de brilho

Vai ligeira 

De suspiro em suspiro.


Não se detém 

Por isto ou por aquilo

Apenas são nuvens 

Apenas é vento...


Que apenas querem 

O seu desalento.

(Celeste Rebordão)