segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A vida...


Continuando a divagação de ontem, tendo a imagem do meu amigo Daniel bem presente a empurrar o seu carrinho articulado(andarilho), com as barbas grisalhas e o olhar perscrutador, repleto de sabedoria... continuando a lutar contra uma fatalidade que , implacável, lhe tolhe os movimentos, mas nunca o raciocínio...Tal Herói de Odisseias...


...continuo orgulhosa desta nossa amizade que dura desde o primeiro momento em que os nossos olhares se cruzaram na esplanada do café...foi ele que, timidamente, estabeleceu conversa comigo...


No seu andarilho, personalizado,transporta a obra que se encontra a ler no momento, as chaves de casa, o telemóvel...tudo o que, a qualquer momento, lhe pode ser útil...


...como estava a dizer, continuo orgulhosa desta nossa amizade que vai sobrevivendo ao passar do tempo...sobrevivendo aos olhares que nos dirigem quando conversamos (porque as pessoas ainda não compreendem que a amizade nasce nos mais incríveis contextos). Os ensinamentos que me transmite, não apenas da luta constante contra esta limitação física, mas na boa disposição que o acompanha, independentemente do que está limitado a fazer para passar os dias... Toda uma vida dedicada ao estudo, toda uma riqueza interior...


Ao terminar mais um poema, e se está com dúvidas quanto á sua obra, envia-me por e-mail para lhe dar uma simples opinião...a mim, mera cidadã...


Como nos entendemos bem... amigo Daniel, rezingão por natureza... também ontem me respondeu, ao encontrá-lo após longas semanas sem nos cruzarmos, ao perguntar-lhe como se encontrava, devo cá andar só por mais alguns anitos...ao que eu lhe respondi, nem pense faz muita falta...e ele sorriu com o seu olhar brilhante bem no fundo dos meus olhos...


Obrigado, Daniel, por povoar os meus dias com a sua riqueza ... com a sua companhia...
Obrigado pelas obras que me empresta, António Gedeão, Luís Sttau Monteiro, José Saramago..."depois devolve, tá"...são as únicas recomendações...


Poema do Homem Só
Sós,
irremediávelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.
~~~~
Os que passam e os que ficam
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem.
~~~~
Nesta envolvente solidão compacta,
Quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.
Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém,
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
~~~~
Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves de carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.
~~~~
Mas este íntimo segredo
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.
António Gedeão

1 comentário:

  1. Celeste,
    Não conhecia esta sua veia artistica!
    Continue assim!
    Vou voltar mais tarde para dar uma espreitadela melhor! LOL

    Beijinhos académicos,
    Ana Filipa Morgado

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