quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Lembranças...




Há dias atrás, enquanto levantava a mesa do almoço, peguei num pedacinho de pão que ficara sobre a toalha e uma imagem longínqua veio por breves segundos à mente. Surgiu daquele tempo em que a vida, a felicidade, os risos e a despreocupação eram uma constante. Vi-me pequena com um pedaço de pão na mão a atirá-lo aos animais da quinta. Mas, antes de o atirar, beijei-o como que a pedir perdão a uma Presença Superior, por desperdiçar um pouco do pão que deveria ser, na sua totalidade, usado na alimentação das pessoas. Num tempo sem bens supérfluos, de valores fortes e dignos mas também com alguns medos pelo meio, incutidos pela família e, mais tarde, na Catequese.
Em segundos imensas imagens, vozes, rostos e atitudes vieram desse passado e com eles a nostalgia do que foi e já não é, ou é!!!! Sou fruto de toda essa conjugação e da descoberta, esta íntima. Tive sempre uma espécie de balança na cabeça e uma luta incessante para perceber o que, por vezes, não tinha sentido ou compreensão na minha mente em desenvolvimento.
Fomos educados numa cultura judaico-cristã e os atos e mensagens passavam de pais para filhos, e pelos educadores que os substituiam, a maior parte das vezes sem uma explicação adequada à nossa condição de crianças,,, a verdadeira essência da mensagem só a entenderíamos mais tarde, com o desenvolvimento natural e com a lição dada pela vida.
Comentei esta lembrança com uma pessoa amiga e ela disse-me que o ato de beijarmos o pão era feito quando o apanhávamos do chão após o termos deixado cair, por algum descuido. O PÃO era sagrado,,, 

Deveria continuar a ser...

E esta situação traz-me outras reflexões. Ouvimos frequentemente dizer que as crianças não mentem... As crianças não mentem mas fazem uma interpretação da realidade de acordo com o seu desenvolvimento psíquico e as recordações, desse período distante, muitas vezes, também nos acompanham ao longo dos anos com essas “deficiências”. 




Como quase sempre, quando algo me causa curiosidade, efetuei uma pesquisa sobre a origem e o que levava, e leva, as pessoas à prática de beijar o pão quando este cai ao chão (evidentemente que sei qual o seu significado mas é sempre enriquecedor ler outras fontes). Encontrei variados relatos desta prática e da sua origem de norte a sul do país.
Aqui deixo alguns...


Forno Comunitário – Orada

O pão é o principal alimento da humanidade desde os começos da civilização. Por isso mantêm-se ainda hoje inúmeras tradições ligadas a este alimento.
Na missa católica o pão representa o corpo de Deus. Devido a isto, o pão é mais que um alimento e passou a ser um símbolo de vida que importa respeitar. Ainda hoje há o costume de beijar o pão quando por acidente este cai ao chão. A gastronomia alentejana nasce como uma forma de aproveitar o pão duro para não o deitar fora.
Na Orada, o forno comunitário ao produzir o pão representa a vida da comunidade. Se os tempos eram de pobreza, produzia-se pouco pão e todos sofriam. Se os tempos fossem de abundância, havia muito pão e todos beneficiavam. Por isso, havia que o proteger das forças do mal e conseguir o favor da divindade. No Norte do país há a tradição de desenhar uma cruz no pão. Na Orada optou-se por colocar um cruzeiro que tinha a mesma função de protector do alimento e da vida da aldeia.
O pão entra no ritual principal da festa. Na refeição é o elemento comum. Na região de Coimbra e Leiria os bodos são o pão levado em açafates, à cabeça dos mordomos. O pão da festa é o mimo das crianças.
O Pão é sagrado. Beija-se quando cai ao chão. Não se deve deixar cair, ou atirar com ele. Oferece-se aos Santos, às almas. Estas vêm ao lar comer as migalhas da mesa assim como o menino Jesus no Natal.Tem uma certa perenidade, não apodrece o pão de S. Sebastião, S. Estevão, S. Lourenço, S. Brás. Pelo país dia 1 de Maio, e no Barroso
dia 23 de Junho as maias colocam-se nas searas e nas casas para que o pão e a família sejam protegidas das pragas. Dia da Ascenção o sacerdote faz rogações, procissões, ladainhas para afastar as pragas das colheitas sobretudo do pão. Trazido para a eira, no fundo da meda faz-se uma cruz, já feita também no medoucho, e outra na coroa da meda. A sacerdotisa que o amassa, traça sobre ele a cruz rogando: S.
Mamede te levede, S. Vicente te acrescente, S. João te faça pão. E para que por fim saia perfeito e crescido, diz traçando a cruz com a pá na porta da fornalha: Cresça o pão no forno... Ao partir o encerto tem que se fazer ainda uma cruz com a faca no pão do lado que assentou no forno. 
O POVO E O PÃO
Ano de nevão, ano de pão.

Chuva de ascensão dá palhinhas e pão.

Chuva de S. João talha o vinho e não dá pão.

Dinheiro compra pão, mas não compra gratidão.

Em ano geado, não há pão dobrado.

Em casa em que não há pão todos ralham e ninguém tem razão.

Em Outubro sê prudente: guarda pão, guarda semente.

Fevereiro enxuto, rói mais pão do que quantos ratos há no mundo.

Janeiro molhado, se não cria o pão, cria o gado.

Maio frio e Junho quente: bom pão, vinho valente.

Mais vale pão duro, que figo maduro.

Nem mesa sem pão, nem exército sem capitão.

Nem só de pão vive o homem.

No S. João, a sardinha pinga no pão.

Pão com olhos, queijo sem olhos e vinho que espirre para os olhos.

Pão proibido abre o apetite.

Pão que sobre, Carne que baste e Vinho que falte.

Para a fome não há mau pão.

Quanto mais barato estiver o pão, melhor canta o coração.

Queijo com pão faz homem são.

Quem dá o pão, dá a educação.

Quem em Maio relva, não tem pão nem erva.

Pão alheio, custa caro.

Pão achado não tem dono.

Pão comido, pão esquecido.

Pão grande não acha freguês.

Um pão no mato dá para quatro.

À falta de pão, boas são as tortas.

Mais vale pão hoje que galinha amanhã.

Pão de centeio só é bom quando é alheio.

Mais vale pão com amor que galinha com dor.

Muito pão ou pouco pão, as colheitas o dirão.

Para pão de quinze dias, fome de três semanas.

Pão de centeio, melhor é no ventre que no seio.

Do pão do meu compadre, grossa fatia ao afilhado.

Pão de pobre cai sempre com a manteiga para baixo.

Bocado de mau pão, nem para ti, nem para o teu cão.

Pão de hoje, carne de ontem, vinho do outro verão fazem o homem são.

Pão que sobre, carne que baste, vinho que farte.

Bole com o rabo o cão, não por ti, mas pelo pão.

Quem não se farta de pão, de migalhas é que não.

Quem não tem pão, contenta-se com as migalhas.

Pão quente, muito na mão e pouco no ventre.

Quem não poupa o pão, com fome cai no chão.

Pão do vizinho sabe mais um bocadinho.

O pão, pela côr; o vinho, pelo sabor.

À falta de pão, até migalhas vão.

Mesa sem pão é mesa de vilão.

Pão mole depressa se engole.

Pão nascido, nunca perdido.

Pão mexido é pão crescido.

Antes pão do que fortuna.

Bom grão fará bom pão.

Vale mais um pão com Deus que dois com o diabo.

Quem comer habitualmente o bico do pão não se casará.

Quando deitamos um pão fora ou o deixamos cair ao chão devemos dar-lhe um beijo. 
encruzilhada1
Superstições

Quando passava um funeral nas ruas da aldeia em direção ao cemitério as crianças deviam estar acordadas

Dava-se de comer aos animais para eles também, não estarem a dormir. 

As grávidas não podiam ver o morto, dizia-se que podiam apanhar o ar do morto. Isto bem explicado queria dizer que as pessoas ficariam brancas da cor do morto, quanto à grávida poderia haver perigo para o bebé ele poderia nascer com a icterícia.

Quando se tem uma orelha quente – alguém está a dizer mal de nós.

Quando alguém espilra deve-se dizer santinho senão entra o diabo. 

Quando alguém arrota, diz-se – graças a Deus 

Quando sai um dente a uma criança deve atirá-lo para trás das costas, dizendo, “dente fora outro melhor na cova”. 

Se alguém passar por cima de uma criança, ela não cresce mais, a não ser que faça o inverso.

Uma criança que pegue num tição em brasa aceso fará chichi na cama. 

Quando um bebé se engasga deve-se imediatamente soprar na moleirinha.

Quando se deixa cair um objecto ao chão muitas vezes, diz-se – “alguém está a pensar em mim.”

A pessoa que matar um gato terá a sua vida a correr mal durante sete anos.

As crianças que se olharem ao espelho antes de completarem infância poderão ficar gagas.

Para afugentar o demónio deve colocar-se o cinco saimão nas portas dos currais.

As ferraduras dão sorte contra o mau-olhado. 

Ferraduras ou cornos, postos atrás das portas, afugentam o diabo. 

Quando uma vaca, porca ou ovelha está para parir um ramo de arruda, por perto, dá sorte. 

Varrer a casa ou sacudir a toalha da mesa, de noite para a rua, está a atirar a fortuna pela janela fora

Quando se está a comer, se cai um pouco de pão ao chão, apanha-se de imediato, sopra-se e beija-se o mesmo antes de continuar a comer.

Quando uma criança vê comer e nada se lhe dá pode ficar ougada.

 Ver gatos pretos, entornar azeite, também dá azar. 
 Quem urinar no lume ou num tição em brasa mija na cama.

Não se deve assobiar de noite alerta o mal ad noite.

Não se deve apontar para as estrelas, porque faz aparecer cravos nas mãos

Quando surgia um meteorito ou estrela cadente no céu, as pessoas juntavam as mãos e diziam: Deus te guie.

Entornar vinho tinto em toalha branca é alegria. 

Se uma abelha a zumbir à sua volta é sinal de visitas. 

Um grilo a cantar na cozinha é sinal de fortuna. 

Quando as pulgas mordem muito é sinal de frio.

O canto do cuco prognostica visitas.

Ao pôr os ovos debaixo da galinha choca devem ser em número impar.

Galos a cantar antes da meia-noite é sinal de mau agoiro. 

O uivar dos cães anuncia a morte de alguém na família.

O cantar noturno do mocho, coruja anuncia a morte por perto.

Ao dar-se o primeiro banho, a um bebé recém-nascido, deve dizer-se, quando se deita a água fora: “foge maldade” e deve-se atirar sal para cima do telhado.

Uma mulher menstruada não pode não pode andar em locais onde existam sardões.

Não se deve dar os parabéns a alguém antes do dia do aniversário. 

Não se devem sentar à mesa, para comer, treze pessoas, porque dá azar. 

Sexta-feira treze, dia de azar. 

Não era aconselhável ir à fonte à noite sozinha porque era altura em que as almas do outo mundo apareciam. 

Não era aconselhável passar à noite sozinho nos cruzamentos de caminhos onde se faziam assembleias de almas penadas que andavam por este mundo para a perdição das almas.

O medo das almas do outro mundo fazia com que as pessoas cumprissem à risca tudo o que a bruxa mandasse fazer.

Um casal não podia ter sete filhas ou sete filhos, caso fosse um deles era lobisomem.

Senhora do Fastio: quem tem fastio vai à capela da Senhora do Fastio, no Paço de Fontelo, em Viseu, e faz uma promessa de uma tigela, prato e colher, para sarar. Estive lá e vi exemplares. As colheres são de pau, toscas, as mais pobres, e de lata de estanho. A maior parte das colheres é de lata, de um mesmo tipo, baratíssimas; havia uma gaveta cheia delas.
O pão deve pôr-se na mesa com o lar para baixo; se, por qualquer motivo fica com o lar para cima, volta-se logo: porque não foi ganho de barriga para o ar (Columbeira, Peral).
É pecado espetar o garfo no pão. Quererá dizer que é espetar o corpo de Deus?
Partir o pão quente com a faca corta as forças de quem o amassou (Óbidos).
Pedaço de pão que cai ao chão apanha-se, beija-se e come-se: «Apanha-o, beija-o e come-o», ouvi dizer na Ucanha, em rapaz.
Em Mangualde, Óbidos, Mondim, se cai o pão ao chão, sopram-lhe e beijam-no.
Não devem comer treze pessoas à mesma mesa, morrerá a que tiver um nome maior (Vila Real). Não se deve estar dinheiro em cima da mesa enquanto se come; é sinal de traição ou pobreza (Vila Real).
Entornar água na mesa de comer dá azar e entornar vinho, alegria (Alentejo). Entornar azeite no chão e partir vidros dá azar (Alentejo).
Quando se dá de comer ou beber a alguém que se engasga, supõe-se que foi dado com má vontade, mas se se sabe que não, costuma dizer-se: «Olhe que não foi dado de má vontade» (Barcelos).
Quando se está a comer e vem um pobre à porta, não se deve dar perdão, dizendo: «Perdoe, vá com Deus» (arredores de Lisboa).
A razão será a de que haverá sempre a ideia de que um pobre pode ser Jesus Cristo, tal como ocorre nos contos populares.
Quem come um fruto pela primeira vez num ano benze-se com ele, dizendo: «deixa-me fazer novo. Em nome de Padre, Filho e Espírito Santo» (Alportel, Algarve). Nas mesmas circunstâncias, na Beira, diz-se: «Ano melhorano, Deus me deixe chegar ao ano.» Ouvi que, em Coimbra, quando se come uma coisa pela primeira vez, se formulam três desejos.
Num jantar em que há raparigas solteiras, se alguma oferece a um conviva palitos, não os deve escolher, senão não casa nunca, deve oferecê-los em conjunto (Lisboa e Castelo Branco).
Não é bom ficar com a toalha na mesa depois da comida, porque andam os anjos em volta, enquanto não se tira (Óbidos).
Não é bom aventar as migalhas da mesa ao lume, nem à rua, porque se aventa a fortuna (Tolosa).
Sacudir a toalha à noite para a rua é deitar fora o pão, isto é, impede-se que haja pão em casa (Lisboa).
Também se diz só: «Não é bom sacudir a toalha das migalhas para a rua.» Será por irem tocadas da boca e poderem fazer feitiço?
Será, apenas, porque são pão e este se não deve pisar?
Se depois de comer, vem o sono, é sinal de fortuna (Tolosa).
É costume, quando alguém abre uma garrafa com vinho, beber um pouco dele no seu copo. Diz-se que é por causa da cortiça. Não terá isto relação com o que se faz na África Ocidental, onde, quando se bebe vinho de palma, a dona da casa bebe primeiro, para «enlever le fetiche»?

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