Em 1958, baseado na experiência pioneira de Branquinho da Fonseca e sob a sua direcção, foi criado pela Fundação Calouste Gulbenkian, instituição privada, o Serviço de Bibliotecas Itinerantes, com o intuito de tentar resolver um problema: o da educação pós-escolar dos cidadãos.
“As bibliotecas itinerantes ou carros-biblioteca levavam a bordo cerca de dois mil volumes arrumados nas estantes. Nas prateleiras de baixo, encontram-se os livros para crianças, nas prateleiras do meio a literatura de ficção, de viagens e biografias e, por fim, nas de cima os livros menos procurados, de filosofia, poesia, ciência e técnica. Circulavam por territórios que abrangiam mais do que um concelho, permitindo, após o cumprimento das formalidades de inscrição e requisição, o empréstimo dos livros por períodos de um mês, prorrogáveis, sendo até possível efectuar reservas.” [Neves, pág. 3 e 4]
Em 1962 existiam 47 bibliotecas itinerantes, o número de leitores rondava os trezentos mil e os livros emprestados atingiam os 3 milhões.
A acção levada a cabo pela Fundação Calouste Gulbenkian dotou o país de uma rede de bibliotecas cujo objectivo principal foi o de alcançar e promover o gosto pela leitura.
Biblioteca Itinerante da minha infância e juventude
Já há muito tempo que penso em escrever sobre a importância desta biblioteca na minha formação e educação - e também na ocupação dos tempos livres durante a minha infância e juventude - dos seis aos dezassete anos. Hoje, ao remexer numa gaveta, encontrei o meu cartão de leitor e resolvi não adiar mais esta vontade de enaltecer o papel fundamental da biblioteca na minha vida e nos meus sonhos.
Penso que não só na minha mas na vida de todos os que, tal como eu, desde cedo sentiram o "bichinho" pela leitura.
Este gosto era "espicaçado" pelos dois funcionários que atendendo à nossa idade e aos nossos gostos pessoais (que iamos revelando com o tempo) sugeriam este ou aquele livro.
Lembro-me sobretudo do Senhor Bidarra mas ambos eram pessoas calmas e acolhedoras.
Inicialmente, esta carrinha biblioteca estacionava junto à Fonte Velha de São Vicente da Beira mas, posteriormente, passou a situar-se junto à Praça da Vila.
Visitava-nos uma vez por mês, sempre numa sexta-feira, e nós aguadávamo-la inquietos pois os últimos livros já estavam lidos e ansiávamos por mais...
O processo de adesão iniciava com o preenchimento do cartão de leitor onde constavam os dados pessoais e as datas previstas das visitas. Depois era escolher os livros no interior, sempre sob a supervisão dos funcionários. Os livros encontravam-se distribuídos em prateleiras de acordo com os grupos etários e os temas: Infantis, juvenis e para adultos... Contos infantis, aventuras, romances, policiais,,,ficção...
Os livros selecionados eram registados e não podiam ser em numero superior a seis. Na visita seguinte tinhamos de os entregar e, na eventualidade de ainda não termos terminado a leitura de algum podíamos requerê-lo de novo. Os livros devolvidos eram analisados pois eram da nossa responsabilidade e deveriam ser entregues sem marcas de uso indevido... Senão ouviamos um "raspanete"...
Todo este processo era educativo... Ensinava-nos o respeito pelo Livro e pelo Outro... Transmitia-nos o cumprimento de Regras - todos tinhamos de aguardar pela nossa vez de forma ordeira e não muito barulhenta... Ensinava-nos a autoconhecermo-nos através dos gostos que iamos desenvolvendo... Ensinava-nos a respeitar e a escutar a opinião dos supervisores que ouviamos atenciosamente...
Dos livros do Pequenu e do Noddi rápidamente passei para contos mais rebuscados e sempre em frente... Autores portugueses e estrangeiros preencheram o meu imaginário durante onze anos...
O meu agradecimento a estas pessoas que me acompanharam e que ajudaram no meu crescimento...
O meu bem haja à Fundação Calouste Gulbenkian!!!
Tantas palavras, imagens, sons e exemplos de vida que nos tornaram o que somos hoje...
Atualmente, a freguesia de São Vicente da Beira dispõe de uma Biblioteca que disponibiliza livros e outros apoios à população.
Tantas palavras, imagens, sons e exemplos de vida que nos tornaram o que somos hoje...
Atualmente, a freguesia de São Vicente da Beira dispõe de uma Biblioteca que disponibiliza livros e outros apoios à população.
A Fundação compreende a Sede e o Museu - inaugurados em 1969 e da autoria dos arquitectos Ruy Athouguia, Pedro Cid e Alberto Pessoa -, e o Parque Gulbenkian, um projecto do arquitecto Ribeiro Telles.
Na Sede da Fundação está instalado o grande auditório, espaços de exposições temporárias e uma zona de congressos com auditórios e salas. Na parte reservada ao Museu Gulbenkian estão também instaladas uma biblioteca de arte e uma cafeteria.
A colecção do Museu Gulbenkian, constituída por cerca de 6000 peças, está dividida em circuitos definidos em termos de cronologia e geografia. De um lado a Arte Oriental e Clássica (Antiguidade Clássica Egípcia, Greco-Romana, Islâmica, Chinesa e Japonesa); e de outro a Arte Europeia, que compreende um período que vai desde o século XI até meados do século XX, com núcleos dedicados à Arte do Livro, à Escultura, Pintura (obras de Degas, Manet, Rubens, Turner, Guardi) e Artes Decorativas, com destaque para a colecção de vidros e jóias de René Lalique.
Expostas de forma permanente estão apenas 1000 das mais representativas peças. Regularmente, sob a apelação "Uma obra em destaque", o museu selecciona uma obra que pretende pôr em evidência, permitindo outro olhar sobre a colecção.
Em 1983 foi inaugurado o Centro de Arte Moderna (CAM), num dos extremos do parque, que compreende um Museu, um Departamento de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte (ACARTE), um Centro de Imagens e de Técnicas Narrativas (CITEN) e um Centro Artístico Infantil (CAI).
CALOUSTE SARKIS GULBENKIAN
O Visionário
Em 1895, quando ocorreram os primeiros pogromes anti-Arménios, Calouste Gulbenkian deixou a sua terra natal para se refugiar no Egito. Na viagem para o exílio no barco fretado pela família da sua mulher, da família Essayan, Calouste travou conhecimento com Alexandre Mantachoff, uma das personalidades mais proeminentes na área do petróleo Russo que o introduz neste círculo muito reservado. No Egito, Calouste Gulbenkian conheceu Nubar Pacha Nubar, primo de sua Mulher, e, igualmente, Primeiro-ministro do Egito. Esta dupla associação (Matachoff-Nubar) permitiu-lhe entrar em contacto com homens de negócios britânicos muito influentes no mundo petrolífero. O jovem Calouste pouco a pouco aprendeu as complexidades deste meio e revelou possuir não só um sentido apurado para o negócio como para a diplomacia e não tardou muito para se aproveitar destes talentos.
Foi assim que numa época em que a importância estratégica e económica do Médio Oriente era desconhecida, Gulbenkian soube antecipar o valor das reservas de petróleo e mobilizar investidores internacionais, assim como o governo Otomano, para a necessidade de organizar racionalmente toda a exploração.
Participa na criação do Royal Dutch Shell Group, estabelece relações com as indústrias petrolíferas americana e russa e dá o primeiro impulso a esta indústria no Golfo Pérsico.
A par do papel determinante que desempenhou nas mais altas esferas dos meios do petróleo e das finanças, Gulbenkian foi levado a assumir importantes responsabilidades em matéria política. Inicialmente, servirá os interesses da sua pátria, o Império Otomano. Em 1898, é nomeado conselheiro financeiro junto das embaixadas otomanas em Paris e Londres.
Em 1902, Calouste Gulbenkian adquire a nacionalidade britânica, trunfo que lhe vai permitir associar os interesses das suas duas pátrias, tendo em conta a grande influência que os britânicos exercem sobre o Império. Calouste viveu 23 anos em Londres e posteriormente, 20 anos em França, muito embora, durante esse período, continuasse a deslocar-se ao seu escritório de Londres. Beneficiava de um passaporte Arménio, emitido em 1920, pelo Presidente da delegação da Republica Arménia, Avedis Aharonian. Permaneceu em Lisboa durante os 13 últimos anos da sua vida, mas nunca deixou de tratar dos seus negócios através do escritório de Londres.
Depois da I Guerra Mundial, Gulbenkian é nomeado representante comercial e diplomático da Pérsia em Paris – cargo que exercerá durante 24 anos. A França ficará a dever-lhe infatigáveis esforços para proteger os interesses do país a nível petrolífero.
Ainda no rescaldo da I Guerra Mundial, os Arménios, sacrificados pelos Jovens Turcos, foram vitimas dos interesses franco-britânicos. Nessa época, Calouste Gulbenkian exerceu um papel importante na defesa dos seus compatriotas, nomeadamente, nas negociações que conduziram, em 1920, à assinatura do Tratado de Sèvres e depois, em 1923, à do Tratado de Lausanne.
O Coleccionador
A paixão de Calouste Gulbenkian pela arte revela-se cedo. Como poderia ser de outro modo nesta família oriunda da Capadócia cuja cidade de origem Cesareia evoca naturalmente o nascimento das grandes religiões e consequentemente a paixão pelas artes? Quanto a Constantinopla que faz também parte do cerne da educação de Calouste Gulbenkian esta cidade era por excelência uma encruzilhada de civilizações (capital dos Romanos, depois dos Gregos e mais tarde dos Turcos Otomanos). Daí resultou uma paixão intrínseca pelas artes que se traduziu pela aquisição de uma coleção de obras de arte prodigiosa. É acima de tudo a beleza dos objetos que lhe interessa. Junta ao longo da vida, ao sabor das viagens e conduzido pelo seu gosto pessoal, por vezes após longas e laboriosas negociações com os melhores peritos e comerciantes especializados, uma coleção muito eclética, única no mundo. São hoje mais de 6000 peças, desde a Antiguidade até ao princípio do séc. XX. O seu apego às obras que vai adquirindo é tal que as considera suas filhas.
A coleção de pintura de Calouste Gulbenkian inclui obras de Bouts, Van der Weyden, Lochner, Cima de Conegliano, Carpaccio, Rubens, Van Dyck, Frans Hals, Rembrandt, Guardi, Gainsborough, Rommney, Lawrence, Fragonard, Corot, Renoir, Nattier, Boucher, Manet, Degas e Monet. De entre os trabalhos de escultura, figura o original em mármore da célebre Diana, de Houdon, que pertenceu a Catarina da Rússia, e que Gulbenkian adquiriu ao Museu Hermitage em 1930.
A coleção de pintura de Calouste Gulbenkian inclui obras de Bouts, Van der Weyden, Lochner, Cima de Conegliano, Carpaccio, Rubens, Van Dyck, Frans Hals, Rembrandt, Guardi, Gainsborough, Rommney, Lawrence, Fragonard, Corot, Renoir, Nattier, Boucher, Manet, Degas e Monet. De entre os trabalhos de escultura, figura o original em mármore da célebre Diana, de Houdon, que pertenceu a Catarina da Rússia, e que Gulbenkian adquiriu ao Museu Hermitage em 1930.
Ao longo dos anos, a coleção foi aumentando. Como medida de segurança, a coleção de Paris foi dividida e parte enviada para Londres. Em 1936, a coleção de arte egípcia foi confiada ao British Museum e os melhores quadros à National Gallery. Mais tarde, em 1948 e 1950, essas mesmas peças serão transferidas para a National Gallery of Art de Washington.
As delicadas deslocações das obras foram realizadas à custa de diligências fastidiosas e arriscadas. Era grande a preocupação de Gulbenkian no que respeitava à preservação do seu património e a forma de evitar o pagamento de impostos sobre o seu legado à medida que a sua coleção se ampliava. Em 1937, Calouste encetou discussões nesse sentido com Kenneth Clark, diretor da National Gallery em Londres para que a sua coleção ficasse num “Instituto Gulbenkian” naquela galeria. Esta iniciativa não tendo sido bem sucedida Calouste considerou mais tarde a National Gallery em Washington para onde tinha sido já transferida parte da sua coleção. Lord Radcliffe, o seu advogado britânico, torna-se o seu principal conselheiro e confidente no que respeita aos assuntos do seu património a partir de 1943. Não tendo sido tomada qualquer decisão até à morte de Calouste, acaba Radcliffe por assumir a solução desta questão. Sabe-se, no entanto, que Gulbenkian tinha muito empenho que a sua coleção ficasse sob um mesmo tecto para que as pessoas pudessem testemunhar o grande empreendimento criado por um só homem durante a vida.
Depois da sua morte e após árduas negociações com o Governo Francês e às condições em que o empréstimo à National Gallery of Art, de Washington, havia sido realizado, foi possível tornar este desejo realidade. A coleção completa veio para Portugal em 1960, tendo estado exposta no Palácio dos Marqueses de Pombal (Oeiras) entre 1965 e 1969.
Só 14 anos após a morte do ilustre colecionador, o seu último desejo foi concretizado: o Museu Calouste Gulbenkian abriu as portas em Lisboa.
O Filantropo
Calouste Gulbenkian era um generoso filantropo. Preocupou-se em ajudar os menos favorecidos, a principiar pelas Comunidades Arménias. Prosseguindo na tradição dos seus antepassados, pelo menos desde há dois séculos, Calouste Gulbenkian dedicou uma atenção especial a Jerusalém, a cidade santa, tendo legado ao seu museu a maioria das obras de arte Arménias da sua coleção. Muito devoto à sua Igreja fez construir em Londres a Igreja St. Sarkis dedicada à memória dos seus pais, cujo jazigo se encontra em Istambul no hospital S. Pirgiç (São Salvador). Este hospital Arménio, criado em 1830, beneficiou, desde a sua origem, da grande generosidade da família Gulbenkian. Após a morte de Calouste, a Fundação, com o seu nome, continuou a assumir esse apoio.
Em 1930, com a morte de Boghos Pacha Nubar, fundador da União Geral Arménia de Beneficência, a única organização Arménia que presta assistência a todos os Arménios, Calouste Gulbenkian que nutria grande admiração pelo fundador assumiu a direção dessa organização filantrópica. No entanto, devido aos entraves que diversas pressões políticas levantaram ao seu trabalho, demitiu-se dois anos mais tarde.
No seu testamento (1953) deixou bem expresso o seu carácter de filantropo ao legar boa parte da sua fortuna à fundação que quis instituir. Os fins estatutários da Fundação Calouste Gulbenkian – uma das doze maiores fundações do mundo – são caritativos, artísticos, educativos e científicos.
Lisboa, 1942
Em abril de 1942, em plena II Guerra Mundial, Calouste Gulbenkian encontrava-se em França, mas em Vichy integrado na delegação diplomática Persa. A sua participação na Iraq Petroleum Company tinha sido temporariamente confiscada pelos britânicos uma vez que, como residente num país ocupado, Calouste era considerado tecnicamente “um inimigo” de acordo com a lei. Apesar do facto de se tratar tecnicamente de uma decisão legal e que depois da guerra a sua concessão lhe foi devolvida com indemnização, a atitude do seu país adoptado continuou a causar-lhe incómodo porque suspeitava que o Governo Britânico estava a ajudar os seus sócios a retirar-lhe os 5%. Decide então emigrar para os Estados Unidos da América. Como primeira etapa, a convite do embaixador de Portugal em França, Calouste deslocou-se a Lisboa para uma pequena paragem de repouso antes de prosseguir viagem para Nova Iorque. A pacatez social de Lisboa, o sistema fiscal que encontrou, e a não interferência dos media terão provavelmente pesado na sua decisão.
Em Lisboa sente-se bem acolhido - escreverá, depois, "que nunca havia sentido em mais lado nenhum" uma hospitalidade como a que o rodeou em Lisboa, uma cidade tranquila numa Europa devastada pela guerra.
O Hotel Aviz, em Lisboa, foi a sua casa durante 13 anos. Calouste Gulbenkian deixou em testamento (18.06.1953) importantes legados aos seus filhos, estabeleceu pensões vitalícias em favor de outros familiares e colaboradores de longa data. No seu testamento estabeleceu a constituição de uma fundação internacional, com o seu nome, que foi a herdeira do remanescente da sua fortuna, com sede em Lisboa, presidida pelo seu advogado de confiança, Lord Radcliffe. A este confiou a missão de agir em benefício de toda a “humanidade”. Esta fundação deveria reflectir o que considerava as suas maiores proezas: a sua coleção de obras de arte e o seu papel como “arquiteto de empreendimentos”, concebendo estruturas para englobar e reunir diferentes nações, grupos e interesses. A coleção de obras de arte logrou ficar exposta num museu especialmente construído para esse efeito, na sede da Fundação, o Museu Calouste Gulbenkian, mas divergências quanto ao peso da atividade internacional da Fundação e à composição do seu Conselho de Administração, designadamente a maioria de membros de nacionalidade portuguesa e o receio da interferência do Governo, conduzem Lord Radcliffe a renunciar, sendo a presidência da Fundação assumida por José de Azeredo Perdigão.
Presentemente, a Fundação esforça-se para que a sua atividade seja mais orientada para ações de índole internacional, em parte para fazer face a problemas mais prementes da sociedade, mas, igualmente, para honrar os desejos do Fundador. A Fundação encontra-se, neste momento, ativa a colaborar com outras Fundações em questões internacionais e instituiu, no seu cinquentenário, o Prémio Internacional Calouste Gulbenkian, em memória do fundador. O prémio é atribuído anualmente por um júri internacional distinto a uma entidade que labute em prol da compreensão, defesa e promoção dos valores universais da condição humana.
Morreu em Lisboa, a 20 de Julho de 1955, com 86 anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário