" Talvez a maior acção de salvamento feita por uma só pessoa durante o holocausto”.(Yehuda Bauer, A History of the Holocaust)
“era verdadeiramente a minha intenção
salvar toda aquela gente”
Aristides Sousa
Mendes do Amaral e Abranches nasceu a 19 de Julho de 1885, em Cabanas
de Viriato (Carregal do Sal), localidade situada a cerca de 30km a
sul de Viseu. Pertencia a uma família aristocrática e católica da
Beira-Alta. O pai, José de Sousa Mendes, terminou a carreira de juiz
no Tribunal da Relação de Coimbra. A mãe, Maria Angelina do Amaral
e Abranches, também da região, descendia da “Casa de Midões”,
uma Casa com tradições “Liberais”. Aristides de Sousa
Mendes tinha um irmão gémeo, César, e um irmão mais novo, José
Paulo.
Aristides cursou
Direito na Universidade de Coimbra, juntamente com seu irmão César,
tendo sido um dos seis melhores estudantes do seu curso. Depois
de se licenciar, em 1907, com 22 anos, fez o estágio de advocacia,
tendo defendido alguns casos no início da sua carreira.
Em 1910, ainda
durante a monarquia, Aristides e César ingressaram na Carreira
Diplomática. Aristides exerceu funções como Cônsul de
Carreira na Guiana
Britânica, em Zanzibar, no Brasil (Curitiba e Porto Alegre), nos
Estados Unidos, (San Francisco e Boston), em Espanha (Vigo), no
Luxemburgo, na Bélgica e, finalmente, em França (Bordéus).
Casado com sua prima
direita Maria Angelina, em 2009, a família de Aristides de Sousa
Mendes foi crescendo a par da sua carreira diplomática. Assim,
quatro dos seus filhos nasceram em Zanzibar, dois no Brasil, dois nos
Estados Unidos, um em Espanha, dois na Bélgica e três, perfazendo o
total de 14, em Portugal. Valorizando a presença da família,
Aristides de Sousa Mendes optou por nunca dela se separar,
assegurando a educação dos seus filhos, em todos os países por
onde passou. Assim, para além da educação académica, todos
tiveram acesso a aulas de pintura, desenho e música. “Lá em casa,
havia uma verdadeira orquestra de câmara e, regularmente,
convidavam-se pessoas para assistir a concertos. Tocava-se Chopin,
Mozart, Bach, Beethoven, etc", disse um dos filhos.
Detentor de uma grande cultura geral, era uma pessoa com muita delicadeza e “savoir-faire”. Facilmente fazia amigos. Em Zanzibar, por exemplo, o Sultão foi padrinho de dois dos seus filhos. O Rei Leopoldo da Bélgica terá dito uma vez em público: “ah, voilà mon ami, le Consul Général du Portugal!” Durante os 9 anos em que viveu na Bélgica, Aristides de Sousa Mendes conviveu com o dramaturgo Maeterlinck, Prémio Nobel da Literatura, assim como com Albert Einstein, que “lá foi a casa”, em 1935, quando deixou a Alemanha.
Detentor de uma grande cultura geral, era uma pessoa com muita delicadeza e “savoir-faire”. Facilmente fazia amigos. Em Zanzibar, por exemplo, o Sultão foi padrinho de dois dos seus filhos. O Rei Leopoldo da Bélgica terá dito uma vez em público: “ah, voilà mon ami, le Consul Général du Portugal!” Durante os 9 anos em que viveu na Bélgica, Aristides de Sousa Mendes conviveu com o dramaturgo Maeterlinck, Prémio Nobel da Literatura, assim como com Albert Einstein, que “lá foi a casa”, em 1935, quando deixou a Alemanha.
A 23 de Junho de 1940, Salazar determina o seu afastamento do cargo, e envia o Embaixador Teotónio Pereira. Em Portugal, Sousa Mendes solicita, em vão, uma audiência a Oliveira Salazar, mas este Salazar determina, a 4 de Julho, a abertura de um processo disciplinar ao diplomata que é instaurado a 1 de Agosto de 1940.
Como consequência, Aristides de Sousa Mendes é afastado da Carreira Diplomática e afastado de qualquer actividade profissional, sendo ostracizado pelos seus pares, familiares e amigos. Os filhos, perseguidos e não podendo encontrar trabalho em Portugal, são obrigados a emigrar.
Dois deles, logo em 1943, juntam-se ao exército americano e até participam na invasão da Normandia a 6 de Junho de 1944.
A 4 de Julho de 1940, Salazar ordena a abertura de um processo disciplinar contra Aristides de Sousa Mendes.
O processo é instruído por Francisco de Paula Brito Júnior a partir de 19 de Agosto
A 30 de Outubro Salazar condena-o a «um ano de inactividade, com direito a metade do vencimento, devendo em seguida ser aposentado». No entanto, esta determinação não é cumprida, sendo Sousa Mendes pura e simplesmente expulso da carreira, sem passar à situação de aposentação. Fica interdito até de trabalhar como advogado.
Elabora a sua própria defesa, argumentando que agiu em defesa dos valores éticos e humanitários e solicita por diversas vezes uma audiência a Salazar, que nunca o recebe e se mantem implacável na sua decisão.
A vida de Aristides assume uma dimensão inesperada em 1940, em Bordéus, França, um posto que, do ponto de vista da Carreira Consular, não lhe trazia nada de novo. Aristides vai para Bordéus, em Agosto de 1938, contrariado, não entendendo por que razão Salazar o não promove para um posto no Extremo Oriente, como ele tinha pedido.
Em Setembro de 1939, começa a Segunda Guerra Mundial, e logo em Novembro desse ano, Salazar, de forma clara, alinha-se ao lado do mais forte, Hitler, para poupar certamente Portugal a uma hipotética invasão nazi. Esse alinhamento traduziu-se pela promulgação da Circular 14, através da qual Salazar proíbe a concessão de vistos a judeus, apátridas e outros “indesejados”. Na prática, nenhum diplomata português estava autorizado a passar vistos de entrada, em Portugal, a judeus.
No início de 1940, Aristides é formalmente avisado por Salazar para não conceder mais vistos a judeus, pois “se o fizer, ficará sujeito a procedimento disciplinar”. Paris, entretanto, cai ante o avanço das tropas nazis, a 14 de Junho, e, no dia seguinte, Bordéus fica submergida de refugiados. É o salve-se quem puder! Bordéus, uma cidade de 200.000 pessoas, passa a ter um milhão! É o pânico generalizado…”dir-se-ia o fim do mundo”, como escreveu, trinta anos mais tarde, nas suas “Memórias”, Pedro Teotónio Pereira, principal acusador do Cônsul.
O Governo francês recua também para Bordéus e inicia negociações com vista a um armistício com a Alemanha, o que veio a ocorrer a 22 de Junho 1940. A 16 de Junho, Charles de Gaulle parte de Bordéus para Londres de onde transmite, através da BBC, o seu célebre “apelo à resistência", a 18 de Julho 1940.
A autora de “Vidas Poupadas – a acção de três diplomatas portugueses na II Guerra Mundial”, Manuela Franco, menciona um telegrama de 21 de Junho, enviado por Aristides de Sousa Mendes ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde este confirma ter ordenado que se passassem vistos “indiscriminadamente e de graça”. o Cônsul português em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, concede vistos de trânsito a milhares de judeus refugiados, em transgressão das regras do seu governo.
A 19 de Junho, Aristides segue para o Consulado em Bayonne, onde continua a maratona de concessão de vistos, na própria rua, uma vez que as escadas do edifício poderiam não suportar o peso de tão grande fila de espera. Vai depois para Hendaye/Irun e continua de um lado para o outro, salvando pessoas nas estradas do sul de França, nas estações de caminhos-de-ferro, conduzindo mesmo um grupo de refugiados através dos Pirenéus, a pé e de automóvel.
Segundo os registos da polícia política PVDE, que a partir de 1945 se transformara na PIDE, entraram em Portugal, só nos dias 17, 18 e 19 de Junho de 1940, cerca de 18 000 pessoas com vistos assinados pelo “Cônsul desobediente”. "Os guardas da fronteira de Vilar Formoso não se lembram de ter visto tanto movimento." O Alto Comissariado para os Refugiados da Sociedade das Nações calculou que nesse verão terão entrado, em Portugal, mais de 40 000 refugiados. Esse número é confirmado pela organização judaica “Joint”. Na sua casa em Cabanas de Viriato, Aristides recebeu dezenas de refugiados, sobretudo no Verão de 1940, nomeadamente as famílias dos Ministros belgas, no exílio, Albert de Vleeshchouwer e Van Zealand, um alto responsável das finanças belga, assim como muitas freiras e outros religiosos conhecidos do seu tempo de Louvain.
Entre 1940 e 1954, Aristides entra num processo de “decadência”, perdendo, mesmo, a titularidade do seu gesto salvadorpois, Salazar apropria-se desse acto. Através da propaganda do Estado Novo, os jornais do regime louvam Salazar: “Portugal sempre foi um país cristão” é o título de um Editorial do Diário de Notícias do mês de Agosto de 1940, em que Salazar é louvado por ter salvo refugiados no Sul de França. Até Teotónio Pereira, reclama, nas suas “Memórias”, a acção de Aristides de Sousa Mendes como sendo de sua autoria! O cônsul morre a 3 de Abril de 1954.
Entre 1940 e 1954, Aristides entra num processo de “decadência”, perdendo, mesmo, a titularidade do seu gesto salvadorpois, Salazar apropria-se desse acto. Através da propaganda do Estado Novo, os jornais do regime louvam Salazar: “Portugal sempre foi um país cristão” é o título de um Editorial do Diário de Notícias do mês de Agosto de 1940, em que Salazar é louvado por ter salvo refugiados no Sul de França. Até Teotónio Pereira, reclama, nas suas “Memórias”, a acção de Aristides de Sousa Mendes como sendo de sua autoria! O cônsul morre a 3 de Abril de 1954.
No
seguimento da sua auto-defesa convicta, também os refugiados e os
próprios filhos de Sousa Mendes continuaram a divulgar e a defender a
sua actuação como Cônsul de Portugal em Bordéus, na fatídica semana de
17-23 de Junho de 1940, em que se disputava o futuro da França e da
Europa em Bordéus. Os depoimentos do Rabbi Chaim Krugger e de outros
refugiados foram recolhidos e confirmados pelo Yad Vashem, que
reconheceu Aristides de Sousa Mendes como Justo entre as Nações,
“Righteous Gentile”, em Outubro 1966. Entretanto, o seu filho Sebastião
Miguel, que acompanhou todo o drama, tinha publicado um livro
parcialmente romanceado com o titulo “Flight through Hell “ em que
registou alguns dos principais eventos. A sua filha Joana redobrou-se a
escrever cartas a várias entidades e ao próprio Salazar.Na California, o
seu filho João Paulo recolheu assinaturas numa petição a favor da
reabilitação que foi entregue ao governo português. Finalmente, em Maio
1987, o Presidente Mário Soares confere-lhe a titulo póstumo, a Ordem
da Liberdade, que entrega á sua filha Joana na Embaixada de Portugal, em
Washington, na presença de numerosos descendentes e representantes das
comunidades judaicas e portuguesas. Poucos dias depois, Aristides de
Sousa Mendes é homenageado pelas comunidades portuguesas e judaicais em
Newark, New Jersey.Em 1989, a Assembleia da República finalmente reparou
a grave injustiça que lhe fora cometida, reeintegrando Aristides de
Sousa Mendes no serviço diplomático por unanimidade e aclamação. As
homenagens sucedem-se desde então.Homenagens, louvores e reconhecimentos
(lista parcial) Em 1994, o presidente português Mário Soares desvela um
busto em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, bem como uma placa
comemorativa na Rua 14 quai Louis-XVIII, o endereço do consulado de
Portugal em Bordéus em 1940.Em 1995, é-lhe concedida, a título póstumo,
uma das mais altas condecorações nacionais, a Grã-Cruz da Ordem de
Cristo e a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) cria um
prémio anual com o seu nome.Em Novembro de 1998 Aristides de Sousa
Mendes é homenageado no Parlamento Europeu em Strasbourg e, em 2000, nas
Nações Unidas, em New York. Em 2004 comemorou-se o 50º aniversário da
morte de Aristides de Sousa Mendes e foram celebradas missas e outras
cerimónias religiosas e ecumémicas em honra ao seu Acto da Consciência
em mais de 30 cidades em todos os continentes. Em 2007, Aristides de
Sousa Mendes foi o terceiro mais votado entre os Grandes Portugueses de
todos os tempos num programa de televisão da RTP.
Cerca de trinta mil vistos foram emitidos pelo cônsul Sousa Mendes, dos quais dez mil a refugiados de confissão judaica.
“Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus." (Aristides de Sousa Mendes)
Reconhecimento
Em 1966, o Memorial de Yad Vashem (Memorial do Holocausto situado em Jerusalém) em Israel, presta-lhe homenagem atribuindo-lhe o título de "Justo entre as nações". Já em 1961, haviam sido plantadas vinte árvores em sua memória nos terrenos do Museu Yad Vashem.
Em 1986, a 15 de Novembro, o presidente da República Portuguesa Mário Soares reabilita Aristides de Sousa Mendes condecorando-o a título póstumo com o grau de Oficial da Ordem da Liberdade e a sua família recebe as desculpas públicas, dezasseis anos após a morte de Salazar.
Em 1994, o presidente português Mário Soares desvela um busto em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, bem como uma placa comemorativa na Rua 14 quai Louis-XVIII, o endereço do consulado de Portugal em Bordéus em 1940.
Em 1995, a 23 de Março, é agraciado a título póstumo pelo presidente da República Portuguesa Mário Soares com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.
Em 1995, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) cria um prémio anual com o seu nome.
Em 1996, o grupo de escuteiros de Esgueira (Aveiro) homenageou-o criando o CLÃ 25 ASM (Aristides de Sousa Mendes)
Em 1998, a República Portuguesa, na prossecução do processo de reabilitação oficial da memória de Aristides de Sousa Mendes, condecora-o com a Cruz de Mérito a título póstumo pelas suas acções em Bordéus.
Em 2005, na Grande Sala da Unesco em Paris, o barítono Jorge Chaminé organiza uma Homenagem a Aristides de Sousa Mendes, realizando dois Concertos para a Paz, integrados nas comemorações dos 60 anos da Unesco.
Em 2006 foi realizada uma acção de sensibilização: "Reconstruir a Casa do Cônsul Aristides de Sousa Mendes", na sua antiga casa em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal e na Quinta de Crestelo, Seia - São Romão.
Em 2007, um programa televisivo da RTP1, Os Grandes Portugueses, promoveu a escolha dos dez maiores e importantes portugueses de todos os tempos. Sousa Mendes foi o terceiro mais votado. Ironicamente, o primeiro lugar foi atribuído a Salazar, e o segundo lugar a Álvaro Cunhal.
Em 2007 o barítono Jorge Chaminé realizou dois concertos homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Baiona e em Bordéus.
Aristides de Sousa Mendes não foi o único funcionário a quem o seu país não perdoou a desobediência apesar dos seus actos de justiça e humanidade naSegunda Guerra Mundial. Entre outros casos conhecidos de figuras que se destacaram pela coragem e humanismo incluem-se o cônsul japonês em Kaunas (Lituânia) Chiune Sugihara e Paul Grüninger, chefe da polícia do cantão suíço de São Galo.
Fundação Aristides de Sousa Mendes
A Fundação Aristides de Sousa Mendes foi criada pela Família Sousa Mendes, por escritura notarial, em Fevereiro de 2000, e reconhecida pelo governo português, em 7 de Abril do mesmo ano, a fim de dignificar e divulgar a incomparável figura de Aristides de Sousa Mendes, diplomata português que salvou 30 000 vidas. Sacrificando interesses pessoais, numa actuação humanitária corajosa, firme e continuada, sofreu abnegadamente a perseguição sistemática dos poderes instituídos, até ao fim da sua vida, sem renegar o seu gesto solidário.
A
Fundação tem por missão a internacionalização e divulgação da
figura de Aristides de Sousa Mendes, nas suas dimensões de Homem,
Estadista e Intérprete fiel dos nobres valores que possuía e que
determinaram o seu tão corajoso Acto de Consciência. Nesse sentido,
serão realizadas, promovidas e patrocinadas acções de carácter
sociocultural e educativo, adequadas à divulgação e defesa dos
Direitos Humanos, em Portugal e no Estrangeiro, tomando por
referência o gesto humanitário de Aristides de Sousa Mendes e os
seus ensinamentos para a sociedade contemporânea.
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