“Mãe, disseram na escola que eras muito velha para seres mãe”; “Nas
aulas disseram-me que vocês não são os meus pais
verdadeiros”; “Perguntaram-me na escola porque é que não tenho mãe e
tenho dois pais”. As frases são de crianças que interpelam os pais e as
mães sobre as questões feitas pelos outros acerca da sua família.
Desafiar a conceção de “família normal” é o mote da nova campanha da
Coca-Cola.
“Se pudesses escolher a tua família escolhias-nos a
nós?”, perguntam por sua vez os pais e as mães às crianças. “A
felicidade é sempre a resposta”, conclui a Coca-Cola. São 32 segundos de
filme publicitário sobre a diversidade familiar — uma campanha que é
aplaudida pelo site Dezanove, devido à presença de um casal homossexual.
Quando alguém adopta alguém, num plano afectivo, ou gosta dessa pessoa
ou não gosta. Isto é, ou ama ou não ama e, se ama, deixa de ser adoptada
para ser filha dela.Quando uma criança se sente adoptada, comporta-se
em relação à família como uma prótese em relação ao corpo: sente-se em
dívida, e o amor da relação é permanentemente contaminado de hipocrisia.
Quando se sente filha, faça o que fizer, não a ameaçam com o abandono,
simplesmente porque faz parte dos pais. Quando se sente adoptada, faz
número na família, mas não faz parte dela. Quando se quer fazer de um
filho uma criança adoptada, ter um filho é uma obra de caridade. Quando
se quer fazer duma criança adoptada um filho, reconhecemo-nos nele, e
toleramos melhor a nossa condição humana. Sobretudo porque ele será tudo
aquilo que não fomos e fará o que deixámos por fazer.
Eduardo Sá
Campanhas pulicitárias deste género servem para abordar assuntos (não me interessa
se são ou não jogadas publicitárias) que ainda parecem incomodar
muitas pessoas e isso é que é importante. A publicidade aliada a uma causa revela-se um bom veículo de
informação que ajuda a mudar mentalidades.
"As crianças não nascem incompetentes para a compreensão da função dos
pais. Na realidade, nunca os identificam pela consaguinidade mas pela
constância da sua presença, a coerência dos seus gestos, e a bondade com
que eles as acolhem e dialogam com as suas dificuldades. Uma criança
sem pais dentro de si é como a noite à procura das estrelas."
Eduardo Sá
"Nos últimos dias muito se tem falado do casamento entre pessoas do
mesmo sexo e da necessidade de um referendo sobre o assunto. Dizem os
promotores de um abaixo-assinado pró referendo que a lei aprovada na
Assembleia da República abre caminho a adopção de crianças por casais
homossexuais e que isso é perigosíssimo. A Igreja Católica como seria
lógico e legitimo tomou posição contra a lei mas, sabiamente, não
promoveu qualquer tipo de manifestação pública de desagravo. O nosso
Cardeal sempre me pareceu um homem culto e prudente e essa sageza leva-o
a destrinçar o essencial do acessório. Sobre este assunto tenho como
pediatra e como católico o mesmo tipo de atitude o que me faz viver com
serenidade esta problemática que tanta confusão tem levantado nos
espíritos mais fundamentalistas. Passo a explicar a minha posição: nos
já longos anos de prática clínica como pediatra, tenho contactado ou
tido conhecimento de milhares de crianças internadas em instituições que
aguardam a adopção, muitas vezes anos sem fim. Sei como é impossível
dar-lhes o afecto e o calor humano que uma família lhes poderia dar, por
muito que a direcção e os profissionais dessas instituições se esforcem
em fazê-lo. Por outro lado com o aumento progressivo de filhos de pais
separados ou divorciados tenho seguido centenas de crianças que são
educadas apenas por mulheres (mãe, tias, avós…) ou, com menos
frequência, por homens (pai, tios, avô…) para não falar nas que têm
apenas um pai ou uma mãe adoptiva. Embora todas sofram pela desagregação
do casal progenitor, a maioria consegue, mesmo assim, gradualmente e
com alguma facilidade, encontrar nesse meio o carinho e a afectividade
suficientes para crescerem harmoniosamente. Entre o calor humano destas
novas famílias e o “deserto afectivo” das instituições não pode haver
comparação. Não vejo pois obstáculo a que, no futuro, casais
homossexuais possam adoptar crianças desde que sejam cumpridos os
critérios rigorosos até agora seguidos no nosso país para a adopção por
casais heterossexuais. Como cristão penso somente no que pode e deve ser
a atitude dos seguidores de Cristo, meditando nos seus ensinamentos e
no seu testemunho de vida. Com certeza que Ele poria os interesses da
criança acima de quaisquer outros e que veria essa nova família com o
coração aberto, compreendendo, como conhecedor que era dos grandes
mistérios, que tudo fazia parte da evolução da Humanidade na sua
trajectória nem sempre linear; evolução visando sempre, às vezes
paradoxalmente, a elevação espiritual do Homem como cume da pirâmide da
criação. Convém porém não confundir um mero contrato civil entre duas
pessoas, a que querem simbolicamente chamar casamento, com o matrimónio
católico pois este é um sacramento para aqueles que crêem no poder e na
beleza imensa do Espírito Santo." José Carlos Palha, Gaia. In Público,
17.1.2010 .
Quando
os novos pais não se adaptam
A família adotiva não começa quando a criança chega a casa dos pais adotivos, mas sim quando se estabelece um vínculo afetivo na díade pais/criança. (Melina, 1998).
Muitas destas crianças já passaram por várias instituições e por várias famílias de acolhimento, o que as torna mais desconfiadas. Isto leva-as a pensar se aqueles pais adotivos serão capazes de lidar com elas daí terem comportamentos violentos, como forma de os testar, com medo de nova rutura, de novo abandono e da volta à instituição.
Os pais candidatos a adoção são, na sua maioria, pais inférteis que sofrem a dor da infertilidade. Quem assume esta infertilidade geralmente é a mulher em que se manifesta uma autodepreciacão do corpo o que lhe causa grande sofrimento. Há grande dificuldade em comunicar esta situação para o exterior e o casal vive-a, geralmente, em silêncio.
A dor da infertilidade tem de estar bem resolvida através do “luto”para que se crie a vinculação entre os pais e a criança adotada.
A idealização da criança a adotar também constitui um obstáculo a esta vinculação. Uma família que se candidata a adoção começa a idealizar a criança que quer. Geralmente, pretendem crianças pequenas, saudáveis, olhos azuis, caucasianas, bonitas, de cabelo loiro… pensam que se as crianças corresponderem a esta expetativas será mais fácil darem-lhes tudo o que sonharam para ela.
Por vezes, o filho adotado passa por uma fase em que quer conhecer a sua família biológica (geralmente na fase da adolescência). Os pais adotivos adotam comportamentos variados face a esta situação. Deve ser desde muito cedo incutido na criança que ela é adotada, para evitar sofrimentos futuros. Não se deve deixar que uma criança entre no 1º ciclo sem que esta saiba que é adotada porque as crianças na escola se o souberem irão falar sobre esta situação e a criança irá sofrer se não estiver préviamente preparada. Pode dizer-se “tu não vieste da minha barriga mas do meu coração”… O que não significa que na adolescência a questão não volte mas será de uma forma profunda, mais assente.
Após a adoção os pais adotivos deveriam ser acompanhados por técnicos sociais ou pertencerem a grupos de pais que já passaram por situações idênticas, como suporte social e estratégico. (Celeste Rebordão)