Porque é que deixamos de voar?
Encontrei este artigo na Revista "Pais & Filhos", escrito por Eduardo Sá,
que achei interessantíssimo... Aqui fica para que despertemos esse olhar simples de criança que habita, tenho a certeza, dentro de cada um... por mais que o camuflemos na nossa pose de adultos feitos...
Até parece que temos vergonha da nossa certeza de que estamos sempre em construção...
Porque é que as pessoas, logo que crescem, deixam de voar?
As pessoas, quando crescem, dão-se pouco umas às
outras. Se as sentimos com o coração desnorteado no seu peito,
sossegando-nos para elas, dizem-nos: «não é nada!».
1
.Todas as crianças olham as
pessoas nos olhos porque sabem que, partindo deles, se chega, num
instantinho, ao coração. Se o coração das crianças fosse uma casa, teria
uma porta colorida. E janelas, de cortinados aos folhos e com
sardinheiras debruçadas. Seja como for, o coração das crianças parece
uma longa gare, na véspera duma festa. Atravessam-no corrupios de
sentimentos que, logo que desaguam, prontamente abalam, de seguida.
Visto de lá, o mundo não é bem um lugar onde todos co-habitam, mas um
sítio buliçoso, onde se fala e se convive. Onde se trocam abraços. Onde
se esboça um ou outro adeus, contrariado. E as lágrimas crepitam, aqui e
acolá. E onde, ainda, na hora do regresso, depois de se voar (porque as
pessoas, quando se entusiasmam, voam sempre um bocadinho) não faltará
uma janela aberta à sua espera. Para voltarem.
2.
Eu sei que voar é uma forma
quase enfadonha de falar do que somos capazes quando escorregamos do
olhar para o coração. Mas fiquemo-nos por ele. Porque é que as pessoas,
logo que crescem, deixam de voar? Eu acho que as pessoas, quando
crescem, se tornam um bocadinho sem-abrigo. Porque lhes falta uma janela
– entreaberta, que seja – à sua espera. Deixam de acreditar em fadas e
em bruxas, mesmo sabendo que elas moram por aí, fora das histórias. E,
se se fiam no Pai Natal, é com vergonha. Acham que o coração se torna um
órgão cor-de-rosa, esconso, com quatro cavidades. Sem janelas, nem
mansardas nem guaritas. A mim, parece-me que as pessoas, quando crescem
-, sem saberem porquê - só brincam às escondidas. Não choram no cinema.
Deixam de saber como se ri até às lágrimas. E perdem, o jeito - bom e
batoteiro - de espreitar as conclusões antes de folhearem qualquer
história. Se não se perdem nas histórias, as pessoas desistem de voar.
Deixam de ter várias vidas. E, em todas aquelas onde, teimosamente,
ainda se barricam, morrem para a vida eterna. Muito, muito antes, do seu
entendimento lhes cochichar que já morreram. Parece-me que, quando
crescem, as pessoas só voam quando sonham. E isso não é bem voar; é mais
dormir. Deixam de saber como é que, partindo dos olhos, se chega, num
instantinho, ao coração. Tornam-se amigas do silêncio. Passam a viver
resgatando memórias. E, quando é assim, a esperança (que as memórias
constroem, peça-a-peça) fica inquinada de saudade. E desperdiçam as
outras vidas (para além da sua) que, sempre que estamos disponíveis para
voar, não deixam de se pespegar, por perrice, ao pé de nós.
3.
Na verdade, as pessoas, quando
crescem, confiam pouco umas nas outras. Não falam dos medos nem das
iras. Não falam das mágoas nem do «logo se vê» com que dizem «não»
devagarinho. Não falam dos seus encantamentos. Nem das vezes em que se
sentem patetas (e como isso, quando acontece aos solavancos, sabe a
leite de creme queimado na hora). Não falam dos sonhos de que desistiram
como se fossem eles, de birrentos, a encurralá-las nos seus gestos. E
não falam das poucas vezes em que não cabem em si. Nem de como, sem
darem por isso, não são nem audaciosas nem tenazes. As pessoas, quando
crescem, dão-se pouco umas às outras. Se as sentimos com o coração
desnorteado no seu peito, sossegando-nos para elas, dizem-nos: «não é
nada!». Sempre que choram por muitas razões ao mesmo tempo, para
simplificar, choram «por nada». E quando se passeiam pelo desejo, de
indecisas, falam como se lhes apetecesse… nada. Muitas vezes, as
pessoas, quando crescem, não mentem nem falam verdade. Ocultam-na, que é
assim uma forma de transformar o silêncio na maior de todas as
mentiras.
4.
Suponho que grande parte
das pessoas, quando cresce, se considera apenas suportável. E, muito
pior, imagino que vivam essa singularidade como se ela fosse um
predicado que lhes mereça algum carinho. Suportável – imagino eu– quer
dizer que as pessoas se sentem medianamente aceitáveis e que, por isso,
ocupam um espaço pequenino nas suas relações. Parece-me que não é muito
diferente de se sentirem desajeitadas para voar. Às vezes, parece–me que
sofrem duma epidemia complicada a que elas chamam «vida real», que faz
com que a beleza que pulula à volta delas lhes pareça misteriosa e
insondável. E que é por ela que imaginam que o mundo vai daqueles que se
suportam aos outros, que são insuportáveis. Ora, quando as pessoas são
um bocadinho insuportáveis, eu gosto delas. Estão entre imaginar que se
voa e aprender a voar. Entre não olhar nos olhos e acreditar que, pela
mão de alguém, o coração terá janelas. Digamos que não tem nem acrobatas
nem gaivotas. Não me interessa não ter um nome para lhes dar. O
importante, de verdade, é descobrir que o coração das pessoas, logo que
crescem, deixa de voar. E que elas precisam de se perder nas histórias e
ter várias vidas para que ele volte a ter uma porta colorida. E
janelas, de cortinados aos folhos e com sardinheiras debruçadas.
"Eu amo pessoas felizes e extrovertidas. Gosto da gargalhada, gosto quando elas transformam o stress do cotidiano em riso, piadas. Gente que ri das suas próprias dificuldades, que ilumina o ambiente. Sempre que posso escolho ficar ao lado de quem não prende o choro ou a risada com medo do que o outro vai achar." *J. Sfair*
Olha sempre para os outros com um sorriso
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