O que me interessa nas PESSOAS é a forma como vivem a VIDA e as PEGADAS que deixam pelo CAMINHO percorrido...
No ano em que se comemora o centésimo aniversário do seu nascimento
Álvaro Cunhal nasceu em Coimbra a 10 de novembro de 1913
Faleceu a 13 de junho de 2005
Faleceu a 13 de junho de 2005
Álvaro Cunhal nasceu em Coimbra, na freguesia da Sé Nova, filho de Avelino Henriques da Costa Cunhal, advogado de profissão, republicano eliberal, e de Mercedes Simões Ferreira Barreirinhas Cunhal, católica fervorosa.
Passou a infância em Seia, de onde o pai era natural. O pai retirou-o da escola primária porque não queria que o filho «aprendesse com uma professora primária autoritária e a menina-de-cinco-olhos»
Aos onze anos, mudou-se com a família para Lisboa, onde frequentou o Liceu Camões. Daí seguiu para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde iniciou a sua actividade revolucionária.
Em 1931, com dezassete anos, filia-se no Partido Comunista Português e integra a Liga dos Amigos da URSS e o Socorro Vermelho Internacional. Em 1934 é eleito representante dos estudantes no Senado da Universidade de Lisboa. Em 1935 chega a secretário-geral da Federação das Juventudes Comunistas. Em 1936, após uma visita à URSS, é cooptado para o Comité Central do PCP. Ao longo da década de1930, colabrou com vários jornais e revistas como a Seara Nova e o O Diabo, e nas publicações clandestinas do PCP, o Avante e O Militante, com vários artigos de intervenção.
Em 1940, Cunhal é escoltado pela polícia à Faculdade de Direito, onde apresenta a sua tese da licenciatura em Direito, sobre a temática doaborto e a sua despenalização, tema pouco vulgar para a época em questão. A sua tese, apesar do contexto político pouco favorável, foi classificada com dezasseis valores. Do júri fazia parte Marcello Caetano
Memória
Dele não conto
o dia a dia
do corpo da liberdade
Na minha memória
ele está antes: seu lutador
Seu destemor
seu fazedor de ofício e arte
(Maria Teresa Horta)
Político e escritor e um resistente ao Estado Novo. Dedicou a vida ao ideal comunista e ao seu partido.
Cunhal por Joaquim Cachulo
Integrado nas comemorações do Centenário de Álvaro Cunhal, no auditório da exposição patente em Lisboa, no Pátio da Galé, teve hoje lugar um debate sobre o tema O Aborto Causas e Soluções, em que intervieram Fernanda Mateus e Odete Santos. Ambas produziram intervenções brilhantes, dissecando o pensamento de Álvaro Cunhal sobre o assunto. Salientaram a ousadia e modernidade de Cunhal, ao pegar na problemática do aborto - em 1940 - e defender a sua tese no exame de Direito.
Odete Santos sublinhou que Álvaro Cunhal sempre teve uma opinião extraordinariamente moderna sobre a sociedade, e, concretamente, sobre o direito penal, fazendo claramente a separação dos conceitos morais, do direito penal, da criminalização: Uma pessoa pode ter sobre o aborto concepções morais, nomeadamente por razões religiosas, mas não tem o direito de partir daí para a defesa da criminalização.
Um debate que soube a pouco...
A vida de Álvaro Cunhal confunde-se com a sua actividade política.
Existem, no entanto, outras facetas da sua personalidade. A literatura e a estética são duas áreas sobre as quais se debruçou.
Dentro da estética, começou por se distinguir como artista plástico e mais tarde como ensaísta.
Os seus ideais políticos são uma presença constante nas obras que produziu.
Devido aos seus ideais comunistas e à sua assumida e militante oposição ao Estado Novo, esteve preso em 1937, 1940 e 1949-1960, num total de 15 anos, 8 dos quais em completo isolamento sem nunca, incrivelmente, ter perdido a noção do tempo. Mesmo sob violenta tortura, nunca falou. Na prisão, como forma de passar o tempo, dedicou-se à pintura e à escrita. Uma das suas produções mais notáveis aquando da sua prisão, foi a tradução e ilustração da obra Rei Lear, de William Shakespeare.
A 3 de Janeiro de 1960, Cunhal, juntamente com outros camaradas, todos quadros destacados do PCP, protagonizaram a célebre "fuga de Peniche", possível graças a um planeamento muito rigoroso e a uma grande coordenação entre o exterior e o interior da prisão.
Ocupou o cargo de secretário-geral do Partido Comunista Português, sucedendo a Bento Gonçalves, entre 1961 e 1992, tendo sido substituído por Carlos Carvalhas.
Em 1968 Álvaro Cunhal presidiu à Conferência dos Partidos Comunistas da Europa Ocidental, o que é revelador da influência que já nessa altura detinha no movimento comunista internacional. Neste encontro, mostrou-se um dos mais firmes apoiantes da invasão da então Checoslováquiapelos tanques do Pacto de Varsóvia, ocorrida nesse mesmo ano.
Entretanto, foi condecorado com a Ordem da Revolução de Outubro.
Regressou a Portugal cinco dias depois do 25 de Abril de 1974. Nesse mesmo dia, passeou de braço dado com Mário Soares, por Lisboa, como forma de ambos comemorarem o início da Democracia em Portugal, pois mesmo que divergissem ideologicamente, apoiavam um Portugal livre e democrático.
Foi ministro sem pasta no I, II, III e IV governos provisórios e também deputado à Assembleia da República entre 1975 e 1992.
Em 1982, tornou-se membro do Conselho de Estado, abandonando estas funções dez anos depois, quando saiu da liderança do PCP.
Além das suas funções na direcção partidária, foi romancista e pintor, escrevendo sob o pseudónimo de Manuel Tiago, o que só revelou em 1995.
Em 1989 Álvaro Cunhal foi à URSS para ser operado a um aneurisma da aorta, sendo recebido em Moscovo por Mikhail Gorbatchov o qual o agraciou com a Ordem de Lenine. Nos últimos anos da sua vida sofreu de glaucoma, acabando por cegar.
Faleceu em 13 de Junho de 2005, em Lisboa, e no seu funeral (a 15 de Junho), participaram mais de 250.000 pessoas. Por sua vontade, o corpo foi cremado.
Da sua relação com Isaura Maria Moreira, teve uma filha, Ana Maria Moreira Cunhal, nascida a 25 de Dezembro de 1960, a qual casou e tem dois filhos.
Álvaro Cunhal ficou na memória como um comunista que nunca abdicou do seu ideal.
«A maior alegria do militante comunista resulta do êxito alcançado, não para benefício próprio mas para benefício do povo.»
O Partido com Paredes de Vidro, 1985
«O
que transparece nesta fotobiografia é a força das convicções e do ideal
que Álvaro Cunhal afirmou ao longo da uma vida toda, de uma luta
inteira – o ideal comunista!» Foi desta forma que Jerónimo de Sousa
terminou a sua emotiva e vibrante intervenção na sessão de lançamento da
Fotobiografia de Álvaro Cunhal, realizada ao final da tarde no
auditório da Escola Secundária de Camões, em Lisboa, local simbólico por
ter sido ali que Álvaro Cunhal fez grande parte dos seus estudos
liceais.
“Espancaram-me durante horas inteiras até perder os sentidos e ser assim levado para um segredo isolado, estar ali prostrado algumas semanas, ver a cara ao espelho ao fim de quinze dias e não a reconhecer, o corpo todo negro. Mas eu fiquei vivo, outros morreram. Depois de me terem assim espancado longo tempo, deixaram-me cair, imobilizaram-me no solo, descalçaram-me sapatos e meias e deram-me violentas pancadas nas plantas dos pés”
“Após a minha prisão, após estes meses que vivi juntamente com todos estes heróis anónimos, a minha fé na minha geração aumentou. Vi mais de perto a coragem, a dedicação, o heroísmo da juventude revolucionária do meu País”.
“Isolado, separado dos seus camaradas, o homem não sabe se conseguirá ainda alguma vez na vida sair à rua, sentar-se num banco, recostar a cabeça, olhar o céu enorme”.
Avelino Cunhal, pai de Álvaro Cunhal, foi o professor que mais me marcou na altura. Era um professor de História, de Filosofia, ao mesmo tempo um escritor, um pintor, um homem com múltiplas dimensões, um homem de cultura, diria, que muito influenciou a minha formação no ensino secundário. (Diretor-geral da Saúde, Francisco George)
Essa Vida Preciosa, Salvemo-la
por Jorge Amado
«Tão magro, de magreza impressionante, chupado a face fina e severa, as mãos nervosas, dessas mãos que falam, mal penteado o cabelo, um homem jovem mas fisicamente sofrido, homem de noites mal dormidas, de pouso incerto, de responsabilidades imensas e de trabalho infatigável, eu o vejo, sentado ao outro lado da mesa, diante de mim, falando com a sua voz um pouco rouca, os olhos ardentes no fundo de um longo e sempre vencido cansaço, e o vejo agora como há cinco anos passados, sua impressionante e inesquecível imagem: Álvaro Cunhal, conhecido por Duarte, o revolucionário português. Falava sobre Portugal, sobre que poderia falar?
Sua paixão e sua tarefa: libertar o povo português da humilhação salazarista, libertar Portugal dessa já tão larga noite de desgraça, de silêncios medrosos, de vozes comprimidas, de alastrada e permanente fome do povo, de corvos clericais comendo o estômago do país, de tristes inquisidores saídos dos cantos mal iluminados das sacristias e da História para oprimir o povo e vendê-lo à velha cliente inglesa ou ao novo senhor norte-americano. Sua paixão e sua tarefa: fazer de Portugal outra vez um país independente e do povo português um povo novamente livre e farto e dono da sua natural alegria.
Ah! Aqueles cansados olhos fundos sorriam e a voz estrangulada de cólera se abria em doçura de palavras de amor para falar de Portugal e do povo português. Eu compreendia que aquele homem de magreza impressionante, de físico combalido pela dura ilegalidade perseguida, era o seu próprio país, seu próprio povo e que, com seu cansaço, sua fadiga de anos, sua rouca voz de velho sono, suas mãos ossudas, eles estava construindo a vida, o dia de amanhã, o mundo novo a nascer das ruínas fatais do salazarismo.
Como era terno seu sorriso ao falar das festas populares nas aldeias do Minho ou dos homens rudes de Trás-os-Montes! Conhecia tudo do seu país e do seu povo, tudo o que era autentico de Portugal, desde o mar-oceano com a sua história portuguesa e gloriosa até as vinhas ao sol e as cantigas e os poemas dos poetas reduzidos na sua grandeza pela censura fascista; desde as histórias heróicas dos militantes presos, torturados até à loucura e à morte, as tenebrosas histórias do Tarrafal, o campo de concentração mais antigo e mais cruel da Europa, até às doces histórias de amor da província portuguesa, com um sabor romântico das velhas legendas.
Contou-me coisas de espantar com sua voz ora doce, grávida de ternura, ora violenta de cólera desatada quando falava da fome dos trabalhadores, da opressão salazarista sobre o povo, da opressão imperialista sobre a sua pátria de primavera e mar. (...) os comunistas portugueses, heróis anónimos do povo, os invencíveis, os que estão rasgando a noite fascista com a lâmina de sua audácia e de sua certeza para que novamente o sol da liberdade ilumine o país dos pescadores e das uvas. De um me disse: «Esse esteve no Brasil e aprendeu com vocês» (...) Falou do campo, dos homens que habitam as montanhas, daqueles que Ferreira de Castro, o grande romancista, descreveu em «Terra Fria» e «A Lã e a Neve». (...) Falou dos operários das cidades daqueles que Alves Redol descreveu em seus magníficos romances e contou da sua irredutível resistência ao regime salazarista. (...) Naquela tarde como que me apossei por inteiro de Portugal, do melhor Portugal, do Portugal eterno, como se Álvaro Cunhal o trouxesse nas suas mãos ossudas, tão descarnadas e nervosas, como se trouxesse – e o trazia em verdade – no seu coração de revolucionário e patriota.
Voltei a vê-lo ainda uma vez, dias depois, e a longa conversa sobre Portugal continuou. Falou-me dos escritores, dos plásticos, dos pescadores, fadistas, e sobretudo da luta subterrânea, dura e difícil e jamais vencida. (...) Veio o processo, dentro dos métodos infames dos tribunais fascistas. Ali se ergueu Álvaro Cunhal (Militão morrera de torturas) e não era o réu, era o acusador, a voz de fogo a queimar o vergonhoso rosto dos carrascos do seu povo, dos vendilhões da sua pátria. (...) Pretendem matá-lo e nós sabemos que são frios assassinos os que querem matá-lo. É uma vida preciosa, preciosa para Portugal e para o mundo, ajudemos o povo português a salvá-la! (...) Há alguns meses eu estava em frente ao mar Pacífico, na costa sul do Chile, em Isla Negra, em casa de Pablo Neruda, meu companheiro de lutas de esperança. Uma figura de proa de barco se elevava em frente ao mar de ondas altas e violentas. Por isso falámos de Portugal e do seu destino marítimo. Contei ao poeta sobre Cunhal e Pablo levantou-se, deixou-me com o pescador que parara para escutar-nos e quando voltou havia escrito esse maravilhoso poema que é «A Lâmpada Marinha»* sobre Portugal, seu povo, Álvaro Cunhal e o dia luminoso de amanhã» (...) Hoje o mais bravo dos filhos desse povo heróico, aquele que tudo sacrificou para ser fiel à esperança do povo está com sua vida ameaçada.»
* A Lâmpada Marinha *
Pablo Neruda Porto cor de céu I
Quando desembarcas em Lisboa, céu celeste e rosa rosa, estuque branco e ouro, pétalas de ladrilho, as casas, as portas, os tectos, as janelas salpicadas do ouro verde dos limões, do azul ultramarino dos navios, quando desembarcas, não conheces, não sabes que por detrás das janelas escura, ronda, a polícia negra, os carcereiros de luto de Salazar, perfeitos filhos de sacristia a calabouço, despachando presos para as ilhas, condenando ao silêncio pululando como esquadrões de sombra sobre janelas verdes, entre montes azuis, a polícia, sob outonais cornucópias, a polícia, procurando portugueses, escarvando o solo, destinando os homens à sombra.
A cítara esquecida II
Ó Portugal formoso, cesta de frutas e flores ? emerges na prateada margem do oceano, na espuma da Europa, com a cítara de ouro que te deixou Camões, cantando com doçura, esparzindo nas bocas do Atlântico teu tempestuoso odor de vinharia, de flores cidreiras e marinhas, tua luminosa lua entrecortada de nuvens e tormentas.
Os presídios I
Mas, português da rua, entre nós, ninguém nos escuta, sabes onde está Álvaro Cunhal?
Sabes, ou alguém o sabe, como morreu, o valente, Militão?
E sua mulher sabes tu que enlouqueceu sob torturas? Moça portuguesa, passas como que bailando pelas ruas rosadas de Lisboa, mas sabes, sabes onde morreu Bento Gonçalves, o português mais puro, honra de teu mar, de tua areia, sabes que ninguém volta jamais da Ilha da Ilha do Sal, que Tarrafal se chama o campo da morte?
Sim, tu sabes, moça, rapaz, sim to sabes, em silêncio a palavra anda com lentidão mas percorre não só Portugal senão a Terra.
Sim, sabemos, em remotos países, que há trinta anos uma lápide espessa como túmulo ou como túnica, de clerical morcego, afoga Portugal, teu triste trino, salpica tua doçura, com gotas de martírio e mantém suas cúpulas de sombra.
O mar e os jasmins IV
Da tua pequena mão outrora saíram criaturas disseminadas no assombro da geografia.
Assim, a ti volveu Camões para deixar-te o ramo de jasmins sempiterno a florescer.
A inteligência ardeu qual vinho de transparentes uvas em tua raça, Guerra Junqueiro entre as ondas deixou cair o trovão de liberdade bravia transportando o Oceano a seu cantar, e outros multiplicaram teu esplendor de rosais e racimos como se de teu estreito território saíssem grandes mãos derramando sementes pela terra toda.
Não obstante, o tempo te soterrou, o pó clerical acumulado em Coimbra caiu sobre teu rosto de laranja oceânica e cobriu o esplendor de tua cintura.
A lâmpada marinha V
Portugal, volta ao mar, a teus navios Portugal volta ao homem, ao marinheiro, volve à terra tua, à tua fragrância, à tua razão livre no vento, de novo à luz matutina do cravo e da espuma.
Mostra-nos teu tesouro, teus homens, tuas mulheres, não escondas mais teu rosto de embarcação valente posta nas avançadas do Oceano. Portugal, navegante, descobridor de Ilhas, inventor de pimentas, descobre o novo homem, as ilhas assombradas, descobre o arquipélago no tempo. A súbita Aparição do pão sobre a mesa, a aurora, tu, descobre-a, descobridor de auroras. Como é isso?
Como podes negar-te ao ciclo da luz tu que mostras-te caminhos aos cegos?
Tu, doce e férreo e velho, estreito e amplo Pai do horizonte, como podes fechar a porta aos novos racimos, ao vento com estrelas do Oriente? Proa da Europa, procura na correnteza as ondas ancestrais, a marítima barba de Camões. Rompe as teias de aranha que cobrem tua fragrante copa de verdura e então a nós outros, filhos dos teus filhos, aqueles para quem descobriste a areia até então escura da geografia deslumbrante, mostra-nos que tu podes atravessar de novo o novo mar escuro e descobrir o homem que nasceu nas maiores ilhas da terra. Navega, Portugal, a hora chegou, levanta tua estatura de proa e entre as ilhas e os homens volve a ser caminho.
A esta idade agrega tua luz, volta a ser lâmpada aprenderás de novo a ser estrela.
** Poema de Pablo Neruda inserido na campanha internacional para a libertação de
Álvaro Cunhal, 1954.
Nesta campanha internacional participaram muitos outros intelectuais progressistas da
época, entre os quais o escritor brasileiro Jorge Amado.
Álvaro Cunhal, 1954.
Nesta campanha internacional participaram muitos outros intelectuais progressistas da
época, entre os quais o escritor brasileiro Jorge Amado.