Nunca consegui saber donde vinha esta alcunha mas o Ti Zé Fiambre foi uma das pessoas que marcou a minha infância.
Hoje associo-o a um acontecimento que se passou anos mais tarde e já quase no final da sua vida...
Mas falarei disso mais à frente...
Mas falarei disso mais à frente...
O Ti Zé Fiambre foi uma pessoa com várias atividades todas ligadas ao serviço da população. Ele foi sobretudo barbeiro mas, para além disso, também cortava o cabelo a meninas (sempre o mesmo corte a que nós chamávamos o corte "à tigela" devido ao formato arredondado), arrancava dentes, dava injeções e era companheiro e amigo do meu pai nas caçadas e na Banda Filarmónica...
Enfim, tratava das mazelas de quem acorria em busca do seu auxílio.
Enfim, tratava das mazelas de quem acorria em busca do seu auxílio.
Eu fui uma dessas crianças a quem ele cortou o cabelo e mais tarde arrancou-me um dente mas essa memória traz-me a dor desse dia porque não foi fácil tal extração.
Nos últimos anos, o ti Zé fiambre, passava algumas horas calmamente a arrancar ervas daninhas num caminho que eu percorria na quinta dos meus pais. Foi numa dessas tardes que eu e o meu filho João nos cruzámos com ele e que se passou o tal episódio que hoje me tráz aqui.
O João era uma criança bastante curiosa e atenta e gostava de passar algum tempo a conversar com pessoas mais velhas.
Mas, naquele dia, ao cruzarmo-nos com o Ti Zé e talvez por distração o João todo feliz ao vê-lo diz "Boa tarde ti Zé Mortadela". Eu fiquei aflita com tal situação mas o Ti Zé continuou tranquilamente a fazer o seu trabalho... É que devido à idade já tinha perdido parte da audição. Quando já íamos a uma distância considerável perguntei ao meu filho porque tinha dito boa tarde ti Zé Mortadela e o João respondeu-me na sua inocência de criança "Ó mãe esqueci-me que era fiambre e disse mortadela!".
Eheheh... Há coisas que ficam e esta tarde é uma delas.
Ao relembrar este episódio, quero aqui deixar o meu reconhecimento a uma pessoa que marcou um tempo na ajuda ao próximo.
Hoje, os meus filhos são já adultos mas continuam generosos na ligação com as pessoas de mais idade e com a VIDA que nos habita...
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás …
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem …
Sei ter o pasmo
Que tem essenciais se uma criança nascer, ao,
Reparasse que nascera deveras …
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo …
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender …
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo …
Eu não tenho filosofia, tenho sentidos …
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar …
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar …
…
Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou …
Sejamos simples e calmos,
Como os Regatos e as árvores,
E Deus Amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os Regatos,
E dar-nos-á Verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos! …
…
Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.
Eu não tinha que ter esperanças – tinha
rodas só que ter …
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo Branco …
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás …
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem …
Sei ter o pasmo
Que tem essenciais se uma criança nascer, ao,
Reparasse que nascera deveras …
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo …
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender …
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo …
Eu não tenho filosofia, tenho sentidos …
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar …
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar …
…
Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou …
Sejamos simples e calmos,
Como os Regatos e as árvores,
E Deus Amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os Regatos,
E dar-nos-á Verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos! …
…
Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.
Eu não tinha que ter esperanças – tinha
rodas só que ter …
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo Branco …
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.
FERNANDO PESSOA, “O Guardador de Rebanhos”, 8-3-1914