A VidA,,,
Luzita, a mais velha
Luzita, querida Luzita
lembro-me de ti, desde sempre... As memórias mais antigas, as que recordo, ficaram marcadas porque resultaram de algum acontecimento mais impactante do que a normalidade do decorrer dos dias.
A memória mais antiga é a de te ouvir a chorar, com uma das nossas irmãs, sentadas à volta duma braseira na sala, a ouvir a radionovela... será real esta recordação? Tem de ser senão como se formou na minha cabeça?
Depois é a do teu namoro nas escadas da nossa casa no Chão da Bica... ficávamos à espreita e a sussurrar e a rir e a provocar na janela da sala, na nossa ingenuidade - para nós era um acontecimento porque nunca tínhamos vivido um namoro na família.
O dia do teu casamento, tu com dezoito anos e eu com sete. Recordo-me da emoção dos preparativos, da tua felicidade, de ti a arranjares-te para a cerimónia,,, da malha caída nas meias de vidro da tua madrinha o que a deixou tão aborrecida, do banquete ao ar livre em mesas corridas, da nossa alegria, das nossas correrias,,, Lembro-me da Mãe e do Pai... lembro de tudo até do menos bom... mas isso é só para nós...
Lembro-me do nascimento da Belinha, a tua primeira filha e a minha primeira sobrinha... A nossa espera no quarto do meio, o som dos passos apressados no corredor e o primeiro choro... Recordo tão bem o primeiro choro. A Belinha veio ao mundo na nossa casa.
Posteriormente, recordo o nascimento do Joaozinho na tua casa do Caldeira, sempre tão limpinha a cheirar a lavado...
Gostava tanto de lá ir visitar-vos. Casa cheia de luz,,, casa de cheiros que não esqueço.
Mais tarde, recordo-me do Chico a ensinar-te a andar de bicicleta, na Praça da Vila...
Há coisas que recordo mas que me fazem alguma confusão,,,
1ª. É verdade que misturavam açúcar em água para fazer uma espécie de laca para o cabelo ou é fruto da minha imaginação?
Contigo aprendi a pensar duas vezes antes de tomar uma decisão,,, a ser realista pois a cada decisão seguem-se as consequências...
Aprendi a importância da arrumação.
Nunca te bastou a vida sempre igual... aprendeste a fazer camisolas nas máquinas,,, camisolas sempre perfeitas,,, desenvolveste novas amizades... eras dinâmica, e continuas a ser,,,
Admiro-te pela não desistência sempre aberta a novos desafios,,,
Foste mais uma vez mãe. Nasceu o Nuno Miguel, penso que ja tinhas a tua casa na Vila.
Admiro-te porque és uma sobrevivente da dor,,, a tua dor que sempre foi a nossa dor,,, recriaste-te, tal Fênix, depois de atravessares calvários... esse também é um ensinamento.
Foste a minha madrinha de casamento... esse dia tão esperado de branco perfeito no meu querer...
Foste a madrinha dos escoteiros do meu João,,, estavas tão orgulhosa e linda na Igreja de Belmonte...
Recordo a tua alegria a ver a satisfação do Bernardo a comer camarão na tua casa,,, Os teus convites porque sabias o que os meus filhos adoravam comer o teu camarão.
Obrigada por tudo Luzita!
Sãozinha, a segunda mais velha
Lembro-me de ti, Sãozinha, linda, de cabelo loiro lisinho, das tuas calças à boca-de-sino,,, dos teus vestidos diferentes, dos teus casacos e gabardines...
Lembro-me da tua ausência desde muito cedo na minha meninice,,, começaste a trabalhar muito nova, primeiro perto da Covilhã, Gouveia, depois em Castelo Branco...
Sempre preocupada com as mais novas, eu, a Terezinha e a Cila,,, sempre a tentares melhorar a nossa vidinha.
Os convites para uma semana na tua casa, nas férias do verão, para podermos usufruir da piscina pertinho da tua casa.
Fazias-nos lanches para lá passarmos o dia. O Hugo e o Rui Paulo pequeninos...
Oferecias-nos tshirts lindas, anéis e outras coisinhas na nossa adolescência...
Contigo aprendi a respeitar formas de estar diferentes, ainda que nunca to tenha dito. Foram frases tuas que fui retendo e que fui analisando com o tempo e me ajudaram a construir a minha personalidade.
As tuas idas à Vila, nos fins de semana,,, fazeres crochê pela noite, por vezes à janela, quando dormir era impossível...
Sempre tão aplicada, estudaste sempre,,, sempre quiseste ir mais além,,, sempre nos motivaste para irmos mais além,,,
Construiste a tua vida,,, nunca baixaste os braços.
E nasceram os teus meninos, o Hugo Daniel e o Rui Paulo.
Trabalhadora, inteligente,,, amiga da Mãe... e trago-te no meu coração porque sei que foste privada de nós muito novinha,,,a avó Ana exigia a tua companhia na casa da Barroca. Penso como deveria ter sido difícil para ti...
Agradeço-te por tantas coisas que não vou referir aqui mas que não esqueço.
Obrigada Sáozinha!
Nélita, a terceira mais velha
O que melhor recordo era a tua coragem para enfrentar perigos, a tua ânsia de liberdade, as tuas revoltas perante certas coisas na nossa vida.
Lembro-me das calças de ganga que o pai te comprava no Fundão.
Lembro-me de ti a galopar na tua égua.
Lembro-me de ti a andar de mota, como nunca tinha visto outra rapariga a andar de mota.
Lembro-me de ti quando não cumprias os pedidos da mãe e do pai.
Sempre te vi com esse desejo de liberdade em muitos gestos, palavras, atitudes.
Corajosa e rebelde são palavras que te definem.
Lembro-me do dia do teu casamento, tão linda, com o chapéu branco. Nunca tinha visto uma noiva assim.
Lembro-me dos teus braços arranhados devido a uma queda na mota, na semana anterior ao casamento.
Depois são tantos acontecimentos que não cabem aqui mas que ficam registados nas nossas memórias.
Os teus filhos, a Sandra e o Miguel, que amamos desde pequeninos.
A tua alegria, a palavra sempre a aflorar.
Não gostas de "prisões", nunca gostaste.
Terezinha, querida Terezinha
A minha companheira de cama e da escola primária
Sempre foste de poucas palavra mas rigorosa. Brincávamos e trabalhávamos juntas nos trabalhos que o pai determinava. Faziamos muitas traquinices juntas no Chão da Bica com os cães, os gatos, os patos e os pintainhos. A nossa infância foi divertida no Chão da Bica. O baloiço na figueira. Trepar a amoreira e pintarmos o corpo como nos apetecia e depois íamos para o tanque de água fresca lavar-nos. Comer cerejas, figos, maçãs, peras, ginjas... tudo subindo ás respetivas árvores. Eramos umas marias rapazes. Andavamos sempre a brincar e era absorvente porque me lemro de que quando tinhamos fome iamos numa correria a casa buscar pão.
(a continuar...)
