Carolina Beatriz Ângelo
Carolina Beatriz Ângelo, médica, republicana e sufragista, foi a primeira mulher a votar em Portugal, nas eleições realizadas para a Assembleia Nacional Constituinte, no dia 28 de maio de 1911.
O código eleitoral determinava o direito de voto a “todos os portugueses maiores de vinte e um anos, à data de 1 de maio do ano corrente [1911], residentes em território nacional, compreendidos em qualquer das seguintes categorias:
1.º Os que souberem ler e escrever;
2.º Os que forem chefes de família (…).”
Com formação superior e chefe de família, sendo viúva, Carolina Beatriz Ângelo reunia as condições para votar, uma vez que a lei não especificava que apenas os cidadãos do sexo masculino tinham capacidade eleitoral.
Após a rejeição pela Comissão de Recenseamento e pelo Ministério do Interior do seu requerimento para ser incluída nos cadernos eleitorais, recorreu para tribunal, onde obteve sentença favorável. O juiz responsável, João Baptista de Castro, era pai de Ana de Castro Osório.
O jornal A Capital, de 29 de abril, reproduz a sentença e termina a notícia:
“Representa este despacho das justiças da República uma vitória para o feminismo nacional (…). Tanto mais quanto essa vitória corresponde ao sentir íntimo dalguns dos membros do governo (…).
Os nossos parabéns, portanto, não só à diretamente interessada, como ao governo provisório, e ainda ao país (…).”
A Ilustração Portuguesa, em 5 de junho, faz uma reportagem sobre o voto de Carolina no dia 28 de maio, intitulada “Estão eleitas as Constituintes. A eleição de Lisboa”, onde destaca:
“Uma nota curiosa das eleições foi a de votar uma senhora, a única eleitora portuguesa, a médica D. Carolina Beatriz Ângelo, inscrita com o número 2513 na freguesia de S. Jorge de Arroios.”
O artigo é ilustrado com uma fotografia de Carolina Beatriz Ângelo, com Ana de Castro Osório, Presidente da Liga das Sufragistas Portuguesas.
Conforme descrito na ata da eleição em S. Jorge de Arroios, o Presidente da mesa eleitoral ainda “consultou a mesma sobre se devia ou não aceitar a lista da Sra. D. Carolina Beatriz Ângelo, que se achava presente e cujo nome estava inscrito nos cadernos de recenseamento”. Aceitando o voto, o Presidente declarou que “o direito de voto às mulheres era assunto de grande ponderação, porque esse direito cívico exige grande responsabilidade àqueles que o exercem; que, porém, a Sra. D. Carolina Beatriz Ângelo, diplomada como é, com um curso superior, tem instrução mais do que suficiente, além de um belo talento, para poder arrostar com essa responsabilidade.”
Apesar dos ecos deste acontecimento na imprensa nacional e internacional, numa época em que o sufrágio feminino na Europa apenas estava consagrado na Finlândia, o voto das mulheres, em Portugal, não foi conquistado na I República.
Nos debates da Assembleia Nacional Constituinte, eleita a 28 de maio de 1911, foram escassas as menções ao sufrágio feminino.
Assim intervém o Deputado Eduardo de Almeida, na sessão de 13 de julho de 1911, sobre os direitos das mulheres:
“Não se diga que é atrasada uma mulher que tem tão belas tradições, não se diga que é reacionária, porque é falso; é mãe exemplar, é esposa carinhosa, é irmã modelo. A mulher portuguesa tornou viva a linda palavra – saudade.
Não peço [que] se lhe dê já inteira capacidade política (e a capacidade política pode tornar-se ilusória para a mulher), mas quero-a com capacidade civil que a liberte da escravidão infamante em que a têm mantido os seus exploradores.
(…)
Confiramos-lhes, pois, as garantias civis a que tem direito e assim teremos radicado na alma popular a ideia de que a República Portuguesa é uma efetiva democracia, que não está disposta a lançar-se apenas nas lutas estéreis dos interesses particulares.”
Na discussão de um artigo que asseguraria “a educação progressiva da mulher de maneira a permitir-lhe o exercício da capacidade politica e civil”, na sessão de 26 de julho, o Deputado António Macieira argumenta:
“A República demonstrou à mulher portuguesa que bem deseja garantir-lhe na sociedade o lugar que justamente lhe pertence; a República já garantiu à mulher o direito de livre publicação dos seus escritos e o exercício de outras funções públicas; a República já eliminou o direito anacrónico da obediência da mulher ao marido; concedeu-se por direito de sucessão o lugar que competia aos irmãos e transversais do marido, garantiu-lhe o direito de alimentos e socorros a pagar pelo sedutor de quem, sendo honesta, houve posteridade; estabeleceu o divórcio; deu enfim a República à mulher portuguesa provas cabais de que a respeita e considera, conferindo-lhe direitos que ela não mais perderá entre nós.
Há de conceder-lhe ainda outros como o de livre disposição do seu salário e dos bens que adquire pelo seu trabalho, o de testemunha nos atos de estado civil, o de vogal no conselho de família.
Para os primeiros não careceu o Governo de ter em vista a esperança afirmada no artigo que combate; para conceder os segundos também dela não carece a República.
Nós o que devemos é estabelecer princípios basilares de vida política do país e não fazer promessas vagas que constituem simples expedientes de ocasião.”
O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Bernardino Machado, refere-se aos direitos civis e políticos da mulher portuguesa na sessão de 27 de julho:
“Mas queria eu dizer, ainda agora, que julguei haver interpretado ontem o sentimento da Assembleia, quando foi eliminado o artigo do projeto da Constituição, relativo aos direitos civis e políticos da mulher.
Pelo menos, desejo manifestar, positivamente, qual o sentido em que dei o meu voto.
Eu creio bem, Sr. Presidente, que a Assembleia Constituinte não quis de maneira alguma, eliminando aquele artigo, tirar os direitos civis e políticos à mulher.
É minha opinião, expressa pelo meu voto – e vejo agora que o é de toda a Câmara – que tal assunto não é constitucional, e deve ficar para ser tratado em diploma especial pelas legislaturas ordinárias.
Portanto, nada está absolutamente prejudicado na votação feita, e nada dela se pode concluir que se oponha aos direitos civis e políticos da mulher.
Seria mesmo extraordinário que a República, não só para o homem, mas também para a mulher, e, ainda mais, para a mulher que tem sido no nosso país muito esquecida e muito infeliz, lhes recusasse os seus direitos.
A República tem já cumprido e continuará a cumprir integralmente os seus deveres para com a mulher.”
Efetivamente, a Constituição de 1911 não consagrou o sufrágio universal, limitando-se a remeter para uma lei especial a organização dos colégios eleitorais e o processo das eleições.
O código eleitoral de 1913 esclareceria a questão: “são eleitores de cargos legislativos os cidadãos portugueses do sexo masculino maiores de 21 anos ou que completem essa idade até ao termo das operações de recenseamento, que estejam no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, saibam ler e escrever português, e residam no território da República Portuguesa.”
Carolina Beatriz Ângelo morreu no mesmo ano em que votou para as eleições do primeiro Parlamento republicano, a 13 de outubro de 1911, com 33 anos.
O voto feminino foi introduzido em Portugal a partir de 1931. No entanto, só após o 25 de Abril de 1974 se consagrou o sufrágio universal e foram abolidas as restrições ao direito de voto baseadas no sexo dos cidadãos.