“Não aceito, digo não. Nem que o meu grito seja só uma canção.”
O número de vítimas de violência doméstica cresce a cada dia... Os casos são divulgados pelos meios de informação... Todos os conhecemos...
Talvez falte uma educação centrada no AmoR... No respeitO pelo OUTRO... Pelas escolhas do Outro... Pelo sentir do Outro...
Desde muito cedo!!!
Desde que nascemos.
Cansada
Estou cansada – ainda agora chorei tanto
Outra noite – o terror andou à solta
Vai e volta e promete que não volta
Vai e volta e promete que não volta
Estou cansada – chorei tanto outra vez
Outra vez a pensar que hoje talvez
Haja paz – que o terror só vai não volta
Que a tua mão não se fecha contra mim
Estou cansada – não há fim nesta demência
Ou ciência que preveja que me mates
E quem bate depois chora e promete
Que não mais a mão se levanta fechada
Estou cansada – acho que não quero nada
Que não seja uma noite descansada
Sem ter medo ou chorar na almofada
Sem pensar no amor como uma espada
Tão cansada de remar contra a maré
O amor não é andar a pé na noite escura
Sempre segura que a tortura me espera
Insegura tão desfeita humilhada
Tão cansada de não dar luta à matança
À dança negra que me dizes que é amor
Que não concebes a tua vida sem mim
E que isto assim é normal numa paixão
E eu cansada nem sequer digo que não
Já não consigo que uma palavra te trave
Não tenho nada que não seja só pavor
Talvez o amor me espere noutra estrada
Mas tão cansada não consigo procurá-la
Já tão sem força de tentar não ser escrava
Já sei que hoje fico suspensa outra vez
Outra vez a pensar que hoje talvez…
Estou cansada – ainda agora chorei tanto
Outra noite – o terror andou à solta
Vai e volta e promete que não volta
Vai e volta e promete que não volta
Estou cansada – chorei tanto outra vez
Outra vez a pensar que hoje talvez
Haja paz – que o terror só vai não volta
Que a tua mão não se fecha contra mim
Estou cansada – não há fim nesta demência
Ou ciência que preveja que me mates
E quem bate depois chora e promete
Que não mais a mão se levanta fechada
Estou cansada – acho que não quero nada
Que não seja uma noite descansada
Sem ter medo ou chorar na almofada
Sem pensar no amor como uma espada
Tão cansada de remar contra a maré
O amor não é andar a pé na noite escura
Sempre segura que a tortura me espera
Insegura tão desfeita humilhada
Tão cansada de não dar luta à matança
À dança negra que me dizes que é amor
Que não concebes a tua vida sem mim
E que isto assim é normal numa paixão
E eu cansada nem sequer digo que não
Já não consigo que uma palavra te trave
Não tenho nada que não seja só pavor
Talvez o amor me espere noutra estrada
Mas tão cansada não consigo procurá-la
Já tão sem força de tentar não ser escrava
Já sei que hoje fico suspensa outra vez
Outra vez a pensar que hoje talvez…
(Rodrigo Guedes de Carvalho)
Dói olhar???
Calçada de Carriche
Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
(António Gedeão)
Poesias Completas (1956-1967)
Poesias Completas (1956-1967)